OPPERAA
 
Baby Boom
     
 
 
     
Confesso que quero me deixar levar pela comodidade da monogamia porque já estou com preguiça de ficar argumentando sobre o desejo e a natureza humana. Quero ser Amélia, ter meu maridinho e cotidianamente esperá-lo ás seis da tarde no portão. Posso?
 

02/04/07
A pior das espécies

Entrei pela porta dos fundos assumindo toda a minha indignidade descarada. Tudo porque o esgoto do banheiro era mais fácil e cômodo, o que me rendia bons momentos de ócio na lama podre do ralo antes da hora de adentrar-me no bar. As baratas que escolhiam a porta da frente, passando pela fossa central e atravessando todo o chão claro cheio de perigosos obstáculos, arriscavam por demais as suas vidas por vazias razões de reputação e dignidade.

Preguiçosa e covarde, sempre achei que enfrentar desafios idiotas é coisa para perdedores. Afundo-me ainda mais no meu asco e sempre opto pelos banheiros masculinos só pelo prazer de ver os marmanjos se cagando de medo de um inseto insignificante como eu. Ao contrário dos homens, as mulheres são mais corajosas e, quando não atiram logos seus sapatos sobre nossos corpos, não se sentem constrangidas a gritar socorro para algum herói de plantão. Mas os machos da espécie ficam naquela posição humilhante de pavor silencioso. Agrada-me essa sensação de poder, tão rara em minha condição de ser rastejante.

Antes de pousar minhas patas no grudento chão da cozinha, eu aprecio dar uma passeada pela copa escura. Acaricio suavemente os copos, pratos e talheres me deliciando com a visão daquela gente cheia de pompa e falso asseio passando suas bocas fedorentas pelos restos de esgoto e excrementos humanos que eu deposito cuidadosamente em todos os utensílios. É ainda mais prazeroso de que mergulhar nas comidas azedas da cozinha.

O dono do bar achou que me mataria com Baigon. O idiota ainda não compreende que os comerciais de televisão estão sempre vendendo produtos que não funcionam. Desodorantes para disfarçar o cheiro natural, pasta de dente para hálito fresco e sorriso falso, perfumes para se tornar inesquecível, cigarro que dá charme, Viagra para velho inconformado, cerveja que te liberta dos problemas e calmantes para uma noite de sono sem culpas. Bando de seres atrasados e asquerosos em sua busca eterna por artifícios higiênicos ineficazes.

Passando a língua no queijo vencido que será servido na mesa 5, o assunto em pauta como o de costume, era a metáfora do Kafka e seu personagem que virou barata. Tal escritor se tornara referência em toda roda de queijo velho por ter dado voz a nossa desprezada espécie em meio a famosas formigas atômicas, tanajuras trabalhadoras medíocres e cigarras hippies.

E foi assim, refletindo sobre minha anônima e deliciosa existência rastejante que senti a dura realidade em forma de um sapato esmagando meu lombo mole. Mas ainda deu tempo de ver a asquerosa freguesa da mesa 5 lamber os beiços ao engolir, sem a menor classe, vários pedaços de queijo com resquícios do meu sangue verde. Não poderia haver fim melhor.


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Lira Turrer é jornalista e escritora. Apaixonada pela literatura e inspirada pelos fatos corriqueiros que permeiam a comédia do cotidiano. Escreve aqui todas as segundas. Fale com ela: liratd@yahoo.com.br

 


   
 

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