
26/01/08
A Guerra do bolo
Todo ano no dia 25 de Janeiro,
Telma Maria Ferreira da Silva, moradora da Vila Maria, região
norte de São Paulo, levanta ainda de madrugada, apronta
os três filhos e segue para o ponto de ônibus.
O destino: bairro do Bixiga no centro da cidade.
Uma hora depois ela chega ao
local da festa e se posiciona com os filhos de frente para
o bolo, munidos de bacias, sacos e caixas para assegurar
que não sairão de mãos vazias do local.Telma
veio ao Bixiga pela primeira vez aos 20 anos, hoje com 46,
diz nunca ter perdido uma edição da famosa
festa.
O marido está trabalhando,
mas espera comer um pedaço do bolo quando chegar
em casa tarde da noite. Ela e os filhos pegam tudo que puderem
carregar e garantem que nenhum pedaço é desperdiçado,
a família divide o bolo com a vizinhança e
o come no café da manhã e no lanche da tarde.
Pergunto se não é
ruim comer o bolo todo despedaçado e ela dá
a receita: é só colocar tudo numa travessa,
dar uma prensada nele e colocar na geladeira, ele fica durinho
de novo, não fica ruim não! Misturado?
Sim, misturado...
E se o bolo fosse repartido
por garçons e servido fatia por fatia para cada participante?
Aí não
seria legal, a única coisa que não concordo
é jogar o bolo no chão e pisar em cima e as
pessoas não esperararem para cantar parabéns
para São Paulo, diz ela.
Walter Taverna presidente da
Sociedade de Defesa das Tradições e Progresso
da Bela Vista (SODEPRO), organizador da festa nos últimos
12 anos, concorda que graça da festa é o ataque
ao bolo, como chama. O divertido é tentar
comer um pedaço do aniversário de São
Paulo, eu não faria de outra forma, a festa é
para o povo.
Este ano o ataque ao bolo surpreendeu
à todos. A equipe de confeiteiros se preparava para
espalhar os confeitos de chocolate sobre o bolo, quando
a multidão rompeu o cordão de isolamento e
atacou a iguaria de laranja e baunilha. Nada anormal, já
que o apressado paulistano corre até em escada rolante.

A imprensa teve a mesa derrubada
aos seus pés, para logo depois ser atacada pelo povo
em uma guerra de bolo. Enquanto todos corriam para se proteger
na área reservada aos jornalistas, o apresentador
gritava ao microfone: respeitem a cidade de São
Paulo, respeitem a cidade de São Paulo! e a
multidão sem se importar continuava a atirar o bolo.
Neste momento confirmei uma
desconfiança que sempre tive: boa parte dos moradores
daqui não tem respeito ou apego algum pela cidade.
Essa corrida louca pelo bolo talvez tenha uma causa mais
profunda, inconsciente. Onde as pessoas tomam de volta o
que esta cidade nunca lhes proporcionou e o bolo assume
assim um efeito apaziguador.
Esta batalha está perdida
há 23 anos, pois o número de famintos
pelo bolo cresce mais rapidamente que o próprio
bolo: ano passado foram 7.000 pessoas, este foram cerca
de 10.000 pessoas.
Seo Walter que
tenta pegar um pedaço de bolo desde que a festa começou
há duas décadas atrás, terá
que esperar mais um ano para realizar seu sonho.
Histórico
A idéia de fazer uma
festa de aniversário para a cidade de São
Paulo foi de Armandinho do Bixiga, figura querida no tradicional
bairro da cidade. O primeiro bolo foi idealizado para bater
recordes: tinha 1.500 metros.
No ano seguinte o bolo media
em metros o número de anos que a cidade estava completando
e a cada ano ganhava um metro para acompanhar o tamanho
da história da cidade.
Em 1994 Armandinho faleceu
e a festa passou para os cuidados de Walter Taverna.
Leia
também
12/01/08
- Pequeno prazer número sete: A Casa de Todos
Nós -Assistir um bom filme brasileiro
2007
_____________________________________________________
Liana Carvalho é jornalista especializada
em Telejornalismo pela
Universidadde Anhembi Morumbi de São Paulo. É
uma afixionada pela combinação de vinhos e
comidas, e se tornou Sommelier pela ABS - Associação
Brasileira de Sommeliers. Trabalhou por cinco anos no jornal
Correio Braziliense e hoje colabora com jornais e revistas
na capital
paulista. Fale com ela:
leecarvalhius@yahoo.com.br
|