
01/12/07
Ser eu mesma
Hoje vamos parar a contagem
dos pequenos prazeres para contar uma historinha bem pessoal:
Esta semana, participei de
uma seleção que escolheria os felizes participantes
de um curso bastante concorrido de especialização
em jornalismo aqui em São Paulo.
Durante a entrevista pessoal a examinadora me perguntou:
quem é a Liana Carvalho?
Bom, o meu currículo
estava nas mãos dela, então me passou pela
cabeça que ela não queria o óbvio e
ao me questionar sobre quem seria eu mesma me deu um daqueles
brancos famosos dos dias de escola.
Acontece que nos últimos
cinco anos da minha vida tudo mudou. Sabe aquele clichê:
quando você sabe todas as respostas, a vida vem e
muda as perguntas? Pois é, a vida mudou as perguntas
e percebi que tudo que eu pensava ser, eram apenas frutos
das circunstâncias em que eu vivia.
Então em um surto de
cruel honestidade, respondi: não tenho muita certeza
de quem eu sou. Sou muita nova e tenho muitas perguntas
sem resposta. Eu ainda não me decifrei e acho que
é mais fácil dizer o que eu não sou,
do que dizer o que eu sou.
Eu tenho um pacto com a vida:
estou aberta para balanço e até que eu morra
ainda posso mudar de opinião, ainda tenho muito tempo
para ser o que eu gosto de achar que sou:
Uma pessoa tolerante e que
não se importa com as pequenas coisas. Ou só
se importa com elas, desde que tenham a ver com apreciar
as coisas belas da vida. Que não se irrita com facilidade,
que deixa para se irritar com a corrupção
e com a miséria.
Alguém que dá
a vez no trânsito, porque já esteve muito atrasada
ou porque sabe que só se está muito atrasado
depois que se morre... Que sabe dizer não, porque
dizer sim é simples, mas defender suas convicções
não é nada fácil.
Um ser humano que não
precisa ficar falando de Deus, porque as pessoas vêem
o caráter de Deus em seus atos. Que realmente é
capaz de perdoar aquele que a magoou e que volta atrás
quantas vezes for preciso até encontrar o caminho
certo.
Umas daquelas pessoas que espalham
o amor e amizade, que está sempre pronta para ver
o lado bom das coisas e se recusa a espalhar os ventos ruins.
Uma pessoa que dá um boi para não entrar numa
briga e uma boiada para ninguém mais entrar.
Alguém que sempre tem
tempo para falar bom dia, para atender a mãe ou ligar
para um amigo e dar parabéns.
Alguém que sempre diz
eu te amo, não como se diz tchau ou oi, mas dizer
como na primeira vez, com significado, olhando nos olhos
da pessoa que se ama. Mas também ter a coragem de
dizer quando o amor acabou. Uma pessoa brava o suficiente
para deixar os entes queridos partirem sem desmoronar, quando
a hora chegar.
Uma mulher que não tem
vergonha das marcas do tempo em seu corpo e que não
fica se comparando com as super-modelos nas revistas. Que
perdoa o pai por mentir a vida inteira e por abandoná-la
no final.
E, se tiver filhos, vai ensiná-los
sobre a magia que permeia a vida e que não é
preciso ser criança para enxergá-la. Que vai
ensiná-los que devem respeitar a toda forma de vida
e apreciar cada dia e nunca deixar algo importante para
se fazer amanhã, pois o amanhã é apenas
um sonho. Que vai ensiná-los tentando ser eu mesma,
alguém que não teme a morte pois não
tem nada do que se arrepender.
Não sei se foi o excesso
de honestidade ou o fato de eu ter estourado os obrigatórios
seis minutos em que eu devia falar para a examinadora e
sua câmera. O fato é que não fui escolhida
e isto me entristeceu, afinal eu havia falado sobre coisas
reais, coisas que eu carrego na alma e não fui compreendida.
Pensando bem, neste mundo-cão provavelmente ela nem
estava ouvindo o que eu dizia, eu simplesmente ultrapassei
os seis minutos e fui eliminada...
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Liana Carvalho é jornalista especializada
em Telejornalismo pela
Universidadde Anhembi Morumbi de São Paulo. É
uma afixionada pela combinação de vinhos e
comidas, e se tornou Sommelier pela ABS - Associação
Brasileira de Sommeliers. Trabalhou por cinco anos no jornal
Correio Braziliense e hoje colabora com jornais e revistas
na capital
paulista. Fale com ela:
leecarvalhius@yahoo.com.br
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