
09/11/07
Do pequeno há
de vir
Queria arrancar pelos olhos
a incerteza do amanhã. Minha simples noção
de verdade, meus andares cambaleantes, minhas vozes tão
fatigadas, minha estação. Certa vez, como
se ainda não tivesse ocorrido, o mancebo perambulava
pelo silêncio. Ouvia mais de uma vez o chamado dos
outros. Parecia que gritavam ao longe, na distância
quase serena de serem percebidos. Aquele miúdo sinal
de som audível apenas quando há quietude.
Desabotoava suas idéias da cabeça. Não
queria mais cursar pelo acaso, embora soubesse que o fazia
pelo caminho do destino. Nunca creu no destino. Sempre torceu
pelo inusitado, sem notar, contudo, que aquilo que se passava
era ele quem causava. Os olhos vendados, caídos,
russos de escuridão, oravam sobre uma manjedoura
de pecados, de arrependimentos.
A longa estrada de credulidade
havia terminado. Diferente do mancebo, extraído em
calda pela serenidade, o que restava em mim poderia ser
tomado aos goles e não faria efeito. Transmutou-se
em substância amorfa, quase não pesava no ar.
Talvez um extenso rasgo pela vida, talvez um fato isolado,
talvez cada minuto de inanidade causasse todo aquele respiro
longo, cada hesitação, aquela vontade de explodir
em nada. Sempre disseram que o mancebo era arcano. Tinha
tendências ao novo. Houve vez em que leram sua mão.
Moço solto,
do festejo, difícil de guardar como um pássaro.
Todavia, apesar das muitas
outras cabeças falantes em seu redor, sentia falta
das antigas. Acusava-se de ser ele próprio o causador
daquela esfera em torno. E o era. Aquele varão na
consciência, substanciado em dias de chuva, o abismo
negro do escuro, da sensação de cegueira na
escuridão, quando se estatela os olhos e não
se vê imagem. Como se esteassem por cima da vista
um sobretudo negro apenas silhuetado pelo raio, pelo relâmpago
que aclara na noite. Assim suas alamedas eram.
Sinto pouca luz-flecha. Daquelas
que atravessam cada nicho, fresta entre. Almoçava
diariamente minhas palavras. Discutia incessantemente minhas
insônias. Aguardava pacientemente meu adeus. A vontade
do ontem no hoje sempre me cutucou. Necessito sentir dor.
Daquelas do através, de passar pelo meio, de ceifar
meu casco. Faltaria pouco, o aconselhavam, para que o para
frente fosse agora.
O mancebo havia se cansado
de cousas demais, de seus eternos adeuses, de suas meninas,
de suas não meninas, da racionalidade, do hermético,
d´eu mesmo. Sentia-me como o estrondo à procura
da calada. Ele, recortado, transpassado por todas aquelas,
resguardava muito pouco de mim mesmo. Tem contos em que
a cabeça, atravessada tantas vezes pela mesma questão,
vence o coração. Sou apenas ele no hoje.
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Leonardo Rocha
é jornalista, ator e cineasta. Fale com ele: E-mail:
nadorocha@yahoo.com.b
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