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O que você observa quando transita de ônibus na cidade em que vive? Seja em São Paulo, Rio, Belo Horizonte ou Salvador, o morador local acaba se desvinculando de detalhes ou belezas naturais e artificiais, que passam a ser percebidos e notados por turistas.

 

25/01/08
Cidades possíveis

João Paulo Teixeira
de Tiradentes Especial para O Binóculo

As cidades e suas peculiaridades: esse é o assunto da série de curtas-metragens Cidades Possíveis, apresentado na noite de terça feira aqui na Mostra de Cinema de Tiradentes. O que você observa quando transita de ônibus na cidade em que vive? Seja em São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Salvador, Uberlândia ou Montes Claros, o morador local acaba se desvinculando de detalhes ou belezas naturais e artificiais, que passam a ser percebidos e notados por turistas. A cidade toma uma forma e quebrar essa unidade é algo bastante complexo. Eu, por exemplo, que vivo em Belo Horizonte há mais de 20 anos, passo despercebido por lugares em que cotidianamente tenho acesso. E isso só foi identificado quando uma amiga gaúcha foi a BH e me perguntou o que era um local, que depois vim a descobrir ser o Cemitério do Bonfim. Entretanto, naquele momento, eu, que passo por lá diariamente, não soube responder.

Voltando a Tiradentes e aos curtas, o primeiro da série foi Cabaceiras, de Ana Bárbara Ramos, um documentário sobre a cidade de Cabaceiras, no interior da Paraíba, que é bastante usada para locações de filmes brasileiros que se passam no nordeste, como O alto da compadecida ou Cinema, aspirinas e urubus.

Usando imagens da TV Bandeirantes sobre uma matéria realizada sobre a cidade e as produções lá localizadas, a diretora deixa, apesar do título, Cabaceiras de lado e nos apresenta seus moradores, que frequentemente são exibidos como figurantes nesses longas. Com isso, o expectador descobre que lá não se tem apenas um local ideal para locações, mas pessoas interessantes para a realização de um documentário. Entretanto, com o passar do filme, percebe-se um didatismo e sensacionalismo exagerado por parte da diretora. Uma das personagens faz uma comparação da cabaça e de Cabaceiras, explicando que, assim como na cabaça, a cidade possui sementes internas e que pode render novos frutos. A partir disso, numa tentativa de docudrama, tem-se na tela as quatro figuras de destaque do curta serrando uma cabaça e jogando suas sementes ao solo e, em seguida, uma “lição de moral” que mais ou menos dizia: “para deixar claro a Band que em Cabaceiras não são os bodes as estrelas, e sim as pessoas”. Essa frase, que em outro contexto poderia ser bem aplicada, se torna um sensacionalismo exagerado e que trata o expectador como figura apática diante o filme, afinal, estas palavras já estão na cena, não há necessidade de escrever. Além disso, se esquece de avisar que a reportagem da Band, quando faz referência ao bode, é devido a festa do Bode Rei, tradicional da cidade paraibana.

O segundo curta-metragem, Alphaville 2007 d.c., de Paulinho Caruso nos remete a cidade de São Paulo e mostra ao expectador pobrezas dessa cidade. Com planos alternados desses locais e locução em off em francês, o curta, apesar de assunto polêmico, tem um humor e ironia peculiar. Lembra daquela história que a vingança vem a cavalo? Pois é, dessa vez veio mesmo. De cavalo, chapéu e espingarda. Um cowboy, tentando ao menos diminuir esse abismo que é a desigualdade social seqüestra um homem da alta sociedade e a família escolhida é de um executivo da área de blindagem. Sua família, no momento do café da manhã, nos remete a propaganda de margarina. Planos abertos, pessoas felizes e sorridentes.

Numa montagem paralela, o diretor usa imagem do programa de José Luiz Datena revoltado com mais um seqüestro ocorrido. O que me faz lembrar de toda hipocrisia existente por parte da sociedade. Lembra daquele menino que morreu arrastado por marginais, o tal do João Hélio? Pois é, não deve se esquecer, não é mesmo? Claro, foi uma morte brutal e não digo que não é de se assustar com uma coisa dessas. Toda forma de violência deve ser cruelmente criticada e banida. Entretanto, também no ano passado, moradores da alta classe do Rio de Janeiro agrediram violentamente uma empregada doméstica no ponto de ônibus e foi de muito menor destaque na mídia. Além disso, temos inúmeras crianças que morrem de fome e que sequer é abordado, passa batido, já é normal. Você já sentiu aquela dorzinha na barriga quando fica oito, dez horas sem comer? Pois é, imagina morrer de fome.

Sete minutos, de Júlio Pecly, Paulo Silva e Cavi Borges, terceiro da série, é realizado em um único plano seqüência de exatos sete minutos, daí o nome. Filmado todo pela subjetiva de P.C., chefe da boca, o curta faz lembrar jogos de computadores ou vídeo-game em que o objetivo é matar monstros ou inimigos. No caso do filme, o inimigo é um rival, também morador da favela, assim, P.C. e outros comparsas vão atrás dele para um acerto de contas.

Tanto a utilização da subjetiva, quanto do plano seqüência foi uma boa alternativa usada, e não gratuita (principalmente no caso do plano seqüência), pois deu ao filme toda uma naturalidade, tanto para os moradores da favela, quantos aos atores do curta.

No último curta da série, A Cidade e o poeta, a diretora Luelane Corrêa nos remete a um Rio de Janeiro observado pela ótica da estátua de Carlos Drummond de Andrade, colocada em um banco no calçadão de Copacabana, em homenagem ao centenário do nascimento do poeta. Na parte documental, a diretora nos apresenta pessoas ligadas ou não ao poeta e que nos remetem à lembrança de quando o escritor por ali andava. E assim, busca pessoas de opiniões diversas em que apontam Drummond como tímido, social ou indiferente, o que dá mais força ao documentário. Além disso, busca também uma leitora/fã/amiga que se correspondeu com o poeta por 14 anos através de correspondências e sua lamentação em só tê-lo encontrado pessoalmente duas vezes.

A partir das pichações realizadas por vândalos na estátua, a diretora nos remete a um curto momento de ficção, inserido no documentário. Drummond ganha vida, se levanta e observa a camisa manchada pela marcas de spray. Também observa atentamente ao mar, já que a estátua fica virada para a rua, o que me lembra e me remete a uma discussão ferrenha (e até certo ponto desnecessária) na época do lançamento sobre a obra estar “olhando” a rua, e não o mar. Para satisfazer aos críticos, a diretora faz com que o poeta olhe, se é assim vontade desses, para o mar.

A partir daí, o Drummond ator dá uma volta pelas proximidades e em frente a uma livraria se depara com inúmeros livros de auto-ajuda. Uma crítica a esse tipo de literatura tão cultuada e consumida no dias atuais e que visto aos olhos de Drummond, com certeza entre os maiores escritores do Brasil, deve ser, no mínimo, broxante. Dessa maneira, A cidade e o poeta nos apresenta um curta interessante, mas que se perde com informações demasiadas para apenas 14 minutos, além da tentativa de inovar.

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João Paulo Teixeira é jornalista, pós graduando em “História da Cultura e Arte”. Tendo estudado na Escola Livre de Cinema, participou de inúmeros filmes como continuísta. Acredita que a continuidade é responsável direta pelo olhar mais crítico para o fazer e analisar obras cinematográficas. Escreve mensalmente para a Coluna Retalhos Culturais. Contato: jpteixeiras@yahoo.com.br


   
 

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