
23/10/07
O cientista estúpido
Causou enorme espanto, na
semana passada, a declaração do cientista
norte-americano James Watson de que os negros são
menos inteligentes que os brancos. Se, por si só,
o conceito expresso por Watson já é de uma
estupidez imensa, sua complementação foi a
cereja no bolo um bolo de péssimo gosto. Os
dois grupos humanos se desenvolveram em ambientes separados,
não se deve acreditar que tenham o mesmo nível
intelectual (...) Qualquer empregador de trabalhadores negros
sabe disso.
O pior de todo este imbróglio
é a razão de ter sido Watson um dos descobridores
da dupla hélice do DNA, nos anos 1950. Assim, pelo
menos teoricamente, o cientista que descobriu a receita
dos seres vivos deveria ser um dos porta-vozes contra o
racismo, a xenofobia e todos os outros tipos de preconceitos
baseados na idéia de raça. Antes
de qualquer análise sobre o caso, deve-se deixar
claro: a ciência já rejeitou a existência
de raças dentro do gênero humano.
Somos todos biologicamente iguais, com as diferenças
se resumindo às características individuais.
É digno de nota, inclusive, que as pesquisas desenvolvidas
com o intuito de medir a intelectualidade dos seres humanos
(grande parte delas baseadas no controverso e cada vez menos
aceito Teste de Q.I.) mostram um nível de variação
muito mais arraigado dentro dos próprios grupos étnicos
do que entre eles.
Sendo assim, o que Watson
quis provar? A superioridade branca. Para desvelar seus
sentimentos, o doutor se utilizou de conceitos distantes
à sua área de trabalho. Para ele, os brancos
são superiores pela colonização do
continente africano empreendida pelos europeus desde a época
das navegações. Ele se diz pessimista
em relação ao futuro da África
porque contamos com o nível de inteligência
deles, e não com o nosso. Um geneticista quer dar
lições de História baseado em conclusões
individuais? Porque simplesmente não assume suas
idéias retrógradas, ao invés de tentar
justificá-las por meio de uma ciência que só
existe na sua cabeça e na mente de alguns
outros indivíduos que usam roupas e capuzes brancos
e queimam cruzes e negros no sul dos EUA até hoje?
Só para constar, escrevo
que formas de governo e organização social
não têm nada a ver com inteligência,
mas sim com necessidades sociais. O sistema que foi desenvolvido
na Europa foi diferente do que aconteceu na África,
na América, e em qualquer outro lugar. Mas, se formos
pensar, que beleza essa super-inteligência branca,
não é mesmo? Duas guerras mundiais, gente
da estirpe de Hitler, Mussolini, Mengele, Stalin, Ronald
Reagan, Bush e James Watson.
O doutor Watson já
havia soltado frases ofensivas antes, também contra
homossexuais, estrangeiros e mulheres. Ele é um paradoxo:
ao mesmo tempo em que ajudou no desenvolvimento científico
e, por conseguinte, até mesmo ético-social
da humanidade com suas descobertas, sua cabeça fez
o caminho contrário. Pegou o expresso da ignorância
até o século XIX, quando Charles Darwin foi
ridicularizado por dizer que o homem compartilhava dos mesmos
ancestrais que os macacos. Consigo até imaginar o
senhor Watson com um chicote na mão, distribuindo
golpes em escravos, berrando ser superior porque eles não
viviam em sociedades democráticas na
sua terra. Depois, entrando em casa e batendo na mulher.
Daria um belo coronel do interior baiano.
Um dos pontos mais tristes
de toda esta história é que, por muito pouco,
o descobridor da dupla hélice do DNA não foi
o respeitável cientista Linus Pauling. Compare você
mesmo: enquanto Watson, que levou um prêmio Nobel
de Medicina pela descoberta, fica soltando suas asneiras
em pleno ano 2007, Pauling ganhou dois Nobel: um de Química
(1954), e, mais importante, um da Paz, em 1962, por ser
um combativo ativista político contra a utilização
de armamentos nucleares e, posteriormente, contra as intervenções
norte-americanas no Vietnã e na América Latina.
Às vezes parece que
Deus escreve errado por linhas erradas.
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Ivan Bomfim
é jornalista, graduando em História e pós-graduando
em Relações Internacionais. Busca compreender
o mundo contemporâneo, mas sempre com um olho na História,
afinal "o presente é o reflexo do passado".
Fale com ele pelo email: ivanjornalista@yahoo.com.br
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