OPPERAA
 
Baby Boom
     
 
 
     
O longa-metragem brasileiro acabou dividindo opiniões na Alemanha e sendo chamado de “fascista” por um colunista da revista norte-americana “Vanity”, mas levou o Urso de Ouro e o reconhecimento de, além de um filme de ação dos mais impactantes, possui uma complexa força dramática.
 

19/02/08
The Elite Squad e os preservativos fascistas

Inicio o ano com um assunto que não se vê usualmente nesta página: cinema. Mais especificamente, a vitória de Tropa de Elite (The Elite Squad para o mercado internacional) no prestigioso festival de Berlim. O longa-metragem brasileiro acabou dividindo opiniões na Alemanha e sendo chamado de “fascista” por um colunista da revista norte-americana “Vanity”, mas levou o Urso de Ouro e o reconhecimento de, além de um filme de ação dos mais impactantes, possui uma complexa força dramática.

Mesmo dentro da análise cinematográfica, o filme se apresenta como um espaço para diversas discussões acerca de temáticas das relações internacionais. Além das óbvias e destacadas violações de qualquer convenção de direitos humanos mostradas nas ações do Capitão Nascimento e seus comandados, há o impacto causado por uma decisão de cunho simbólico de um poder que não respeita fronteiras – no caso, a marqueteira decisão do Papa João Paulo II e do Vaticano em “fazer pouso” numa favela carioca – mas que acaba afetando toda a organização repressora do Estado local, no caso, o Batalhão de Operações Especiais da policia do estado do Rio de Janeiro.

Contudo, apesar desses aspectos importantes, vejo que o valor maior do prêmio para nosso campo de análise se deposita em outro aspecto. Nos anos 1970, uma comissão nomeada pela UNESCO produziu um balanço, o chamado Relatório McBride, no qual mostrava que os fluxos de comunicação entre os países desenvolvidos e os subdesenvolvidos estavam extremamente desnivelados. Quer dizer: filmes, séries, programas de televisão e outros “produtos” de mídia chegavam dos países ricos para os pobres, mas não iam dos pobres para os ricos, o que causa um claro impacto sobre os valores culturais destes povos. A comunicação, a mídia em geral, é o elemento que fornece às pessoas entretenimento, informação, cultura (em alguns casos) etc, mas, principalmente, é ela que ajuda a forjar a realidade social na qual as pessoas vivem. Só para citar um exemplo: a comemoração das festas de Halloween no Brasil nada mais é do que a transposição desta celebração norte-americana por meio de filmes e séries, por exemplo, para o imaginário brasileiro. Em contrapartida, o congado, por exemplo, uma festa tradicional e culturalmente brasileira por excelência, não possui uma fração do destaque dado ao Dia das Bruxas entre grande parte do “brazilian people”.

Acontece que o relatório pedia mudanças extremas nesta rede de comunicação mundial, o que não foi aceito por países como EUA e Grã-Bretanha, que alegaram que os produtos culturais eram bens como qualquer outro – inclusive, estes dois deixaram a UNESCO por causa do informe. Ou seja: valores culturais e sociais, que são decisivos na construção da visão de mundo das pessoas, são, para estes países, produtos em série, como ventiladores, suco de laranja em caixinha ou preservativos. Até hoje, passados cerca de 30 anos da polêmica, os países discutem a natureza dos produtos midiáticos; a França é um exemplo cabal: há uma porcentagem de filmes franceses obrigatória a ser exibida nos cinemas da nação, o que protege a indústria nacional, é alvo de críticas norte-americanas e tem uma conseqüência clara: mantém boa parte dos valores culturais franceses, em oposição ao que acontece em grande parte dos outros países, que, cada vez mais, se americanizam.

E o que tem Tropa de Elite a ver com isso: em realidade, ao entrar para a rede de comunicação mundial, o filme torna-se um produto cultural do Sul (países pobres) que obtém acesso aos mercados do Norte (países ricos), o que acaba por inverter a polaridade dos fluxos comunicacionais. As locações, o enredo, as histórias, a ética, a sociologia, a filosofia, as representações culturais e sociais, o idioma – tudo faz parte do pacote que Tropa de Elite leva consigo, causando impacto e mostrando o Brasil para o exterior.

Em sã consciência, pode alguém afirmar que as reflexões suscitadas pelo filme não causam nenhuma reação a quem vê? Modismos como os induzidos por Tropa de Elite (como bordões, roupas, etc) são compartilhados por boa parte dos que assistiram ao longa-metragem. O mesmo, como destaquei anteriormente, foi retratado como uma obra fascista, o que carrega uma enormidade de conceitos e idéias discutidas há séculos. Contudo, não existem alegações de que ventiladores são totalitaristas, sucos de laranja sejam violentos demais para o público consumidor ou que preservativos, por serem produtos fascistas, jogam toda a culpa dos altos índices de natalidade entre adolescentes nos “usuários” de sexo.



Leia também

2007


__________________________________________________
Ivan Bomfim é jornalista, graduando em História e pós-graduado em Relações Internacionais. Busca compreender o mundo contemporâneo, mas sempre com um olho na História, afinal "o presente é o reflexo do passado". Fale com ele pelo email: ivanjornalista@yahoo.com.br


   
 

O melhor álbum de 2008 já?
A Rolling Stone(USA) sugere alguns. Votaria em qual? (Clique para ouvir)

Cat Power
Vampired Weekend
Hot Chip
Snoop Dogg
Black Mountain
Nenhum destes
                                  VOTAR!
 

Expediente::: Quem Somos::: Parceiros :::: Contato:::Política de Privacidade:::Patrocine nossa idéia
Copyright © 2008 O Binóculo On Line All rights reserved