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“Se a Índia não resolver seus grandes problemas de desigualdade social, ela poderá acabar como o Brasil: uma nação que, apesar da pujança, sofre com as conseqüências da desigualdade, e não consegue se afirmar como nação de importância mundial”.
 

04/09/07
185 anos. E eles não querem ser iguais a nós

Nove entre dez pessoas que conheço têm como maior sonho de consumo turístico uma viagem à Índia. Entre os motivos citados, sempre está, em primeiríssimo lugar, a motivação de que “deve ser uma sociedade fascinante, completamente diferente de qualquer outra”. O que dizer de um país que congrega mais de um bilhão de pessoas e reconhece, como oficiais, 23 idiomas? Eu nunca estive na Índia, mas posso afirmar que, apesar de esta percepção ser provavelmente correta, existe um lugar que, em certos aspectos, é extremamente similar à nação asiática: o Brasil. E o que, de certa forma, mais me impressiona – mas não me surpreende: eles não querem ser iguais a nós.

Há algumas semanas, quando do aniversário de 60 anos da independência indiana do poder britânico, um dos jornais mais lidos do país publicou um editorial no qual dizia que, “se a Índia não resolver seus grandes problemas de desigualdade social, ela poderá acabar como o Brasil: uma nação que, apesar da pujança, sofre com as conseqüências da desigualdade, e não consegue se afirmar como nação de importância mundial”. Que frase lisonjeira, hein?

O que dizia o periódico indiano é que, apesar dos grandes avanços econômicos e industriais que seu país conseguiu nas últimas décadas, a Índia não conseguiu sanar seus gargalos sociais. É uma população que, em sua grande parte, vive na penúria, e o país é reconhecido internacionalmente como um lugar onde proliferam doenças, epidemias e todos os tipos de moléstias. Enquanto os indianos alcançam taxas de crescimento do PIB na casa dos 9%, sofrem com a peste bubônica e a falta de água potável. São os maiores produtores mundiais de softwares e de filmes (a indústria de Bollywood é mais prolífica do que a de Hollywood), mas têm uma sociedade extremamente hierarquizada em decorrência do sistema de castas, uma estratificação milenar que decide, previamente, os lugares que os integrantes de cada casta ocuparão na constituição social. A população “dalit”, ou pária, é considerada “intocável”. No sentido físico, mesmo. Por mais que existam leis contra a discriminação das castas, o sistema está enraizado na cultura local.

A Índia nos fornece um curioso painel dos efeitos da ação do capitalismo liberalizante. Desde o início da década de 1990, o governo abriu a economia, privatizando várias áreas. O setor de serviços responde por 51% do PIB nacional, e os indianos são contratados por empresas norte-americanas e européias pela sua exemplar produtividade. Inclusive, o serviço de atendimento telefônico de várias destas empresas é realizado por indianos. Isso mesmo: um consumidor de Los Angeles ou Chicago, por exemplo, liga para o atendimento ao consumidor de um produto nacional que ele comprou no mercadinho da esquina. Do outro lado da linha, que o está atendendo está falando com ele diretamente de Nova Délhi, Calcutá, Bangalore ou outra cidade na península do outro lado do mundo. Além disso, várias corporações estão se mudando para o país, pois lá encontram trabalhadores altamente especializados.

Agora, o outro lado. Esses funcionários exemplares possuem poucos direitos sociais. Muitas vezes, trabalham em rotinas estressantes que não seriam aceitas por trabalhadores ocidentais. As multinacionais respeitam pouquíssimas normas ambientais, e ajudam na disseminação das desigualdades sociais, contratando por muito pouco e demitindo com a mesma facilidade. A ação social é insuficiente para garantir uma situação mais digna a grande parte da sociedade, e tudo se resolve no “jeitinho indiano”, algo que pensávamos que era monopólio nosso. Enquanto isso, a tensão social aumenta, pois, do outro lado da rua – e neste caso, literalmente, pois as favelas são como bairros comuns da constituição das cidades – são erguidos castelos, à intenção de copiar um pouco a opulência de construções como o Taj Mahal.

Os indianos não querem ficar estagnados, afundados em problemas sociais e sendo vistos como funcionários mundiais, que trabalham por algumas migalhas dos países industrializados. Querem que sua independência finalmente chegue, após 60 anos. Poderíamos querer a mesma coisa, afinal nossa emancipação dos colonizadores completa, nesta semana, seu 185° aniversário. E não temos tantas moléstias assim. Só um pouquinho.

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Ivan Bomfim é jornalista, graduando em História e pós-graduando em Relações Internacionais. Busca compreender o mundo contemporâneo, mas sempre com um olho na História, afinal "o presente é o reflexo do passado". Fale com ele pelo email: ivanjornalista@yahoo.com.br


   
 

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