
25/07/08
Sobre Winehouse e o
velho Rock ‘n’ Roll
A presença de Amy Winehouse
na abertura da terceira edição do Rock in
Rio Lisboa, chamando as atenções do mundo
para si (outra vez, decerto não pela última)
por sua atuação “singular”, talvez
tenha sido um déjà vu de um movimento que
praticamente não existe mais. Era dia 30 do maio
último, sexta-feira: bêbada (copo na mão)
e afônica, Amy se atrasou, esqueceu-se das letras
(e improvisou), dançou (e quase caiu), bebeu (e bebeu
novamente), pediu desculpas dizendo que deveria ter cancelado
o show (mas continuou cantando e bebendo e tropeçando)
e, por fim, com menos de uma hora de apresentação,
despediu-se e foi-se embora. Em seu pescoço, um hematoma;
em uma de suas mãos, uma atadura.
Ao descobrir a magnífica
mistura entre jazz, blues e soul de Amy – iniciado,
como quase todo mundo, pela pegajosa Rehab – e em
seguida tomar conhecimento de sua desprecatada forma de
“arrastar” a vida, percebi que essa inglesa
de 24 anos provavelmente simboliza um último suspiro
do velho e quase extinto rock and roll, idealizado no início
da segunda metade do século passado; movimento que,
ancorado no trinômio “rock, sexo e drogas”,
fundamentou - nem sempre de forma concomitante e nesta mesma
ordem - o salto (ao fundo do poço) de nomes como
Elvis Presley, Janis Joplin, Eric Clapton, Steven Tyler,
Renato Russo, Kurt Cobain e Cazuza, por exemplo. Alguns
pularam e voltaram; outros ficaram para sempre. Como bem
disse o jornalista Rodrigo James, em artigo sobre Amy publicado
no jornal Estado de Minas no final do ano passado, “a
vida errante é um dos clichês do rock”.
Pois bem. Errante que ela só, completamente rock´n
roll (já que o rock é uma equação
formada por incontáveis fatores que, muito além
do ritmo, perpassam questões como rebeldia, política,
sexo, drogas e liberdade), Amy salta ao poço de cabeça,
sem bungee jump nem pára-quedas, e a perspectiva
é de que muito em breve ela esteja cantando ao lado
da turma do “ficaram para sempre”.
Pela entonação
de meu texto, talvez você possa ter percebido algo
que beira admiração na construção
de meu discurso. Como n’O Binóculo tudo é
“puro juízo de valor!”, permito-me confessar
que Amy Winehouse (e todo o seu exagero, que vai muito além
de abusar do indefectível delineador negro) despertou
sim admiração em mim, trazendo à tona
meu lado mais sombrio, que quase sempre é relegado
por minha maioria politicamente correta. Aos olhos desse
meu eu obscuro, a forma intensa e descomedida como Amy toca
sua vida remete-me àquele velho jargão de
que a vida é uma só para não ser vivida
em sua plenitude. Vá lá, o que é plenitude
para Amy em nada coincide com o significado atribuído
a essa palavra pela maioria das pessoas – maioria
na qual me incluo. Mas se para ela o sentido da vida reside
nessa doidice toda, como julgar? O velho rock (que o lado
negro de minha força tanto admira) sobrevive nessa
inglesa maluca. Muito provavelmente uma sobrevida curta,
é verdade, haja vista os abusos da moça, que
deixam claro que sua vida deve durar bem pouco.
Pois bem. Escrevo
este primeiro texto, feliz pelo espaço cedido a mim
por Alan Terra e Rodrigo Saturnino, para dizer, finalmente,
que: abandonada pelo empresário, tatuando-se com
gilete, cancelando shows, ora presa, ora batendo em fãs,
ora proibida de entrar nos EUA, afundando-se nas drogas
(“Rehab? No!”) e com enfisema pulmonar, a minha
querida Amy ganhou um lugar ainda mais destacado em minha
discoteca particular: a prateleira especial para onde vão
somente aqueles seletos artistas que sentem o rock (e a
vida) pulsar intensamente em suas veias. Ou seja: aqueles
sujeitos malucos que tocam a vida não preocupados
em compor um “filme” bonito (como se dela fossem
tirar um enlatado de Hollywood), mas sim interessados (já
que a vida é uma só) em experimentar a existência
humana em todas suas possibilidades, principalmente nas
que mais lhes convém e agrada — doa (leia-se
mortifique) a quem doer, a começar por si mesmo.
Sem medo de soar funesto, cito Nelson Rodrigues, conclusivo:
é a vida como ela é. Se for para ser assim,
que seja. E um viva a esta sobrevida do rock´n roll!
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Ewerton
Martis é Jornalista e escritor (pretenso),,
autor de vários contos interminados, romances sem
personagens, poesias e crônicas renegadas, petardos
ainda à espera do tempo que é escasso e da
preciosa mas furtiva inspiração para serem
enfim terminados — e, quiçá, publicados.
Nesse meio-tempo, escreve um blog: www.pretensoliterato.blogspot.com
Fale com ele: ewerton.martins@ymail.com
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