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Por mais que o Oscar seja, indiscutivelmente, um prêmio de caráter industrial, é de extrema importância para o novo panorama que nosso cinema venha a ser premiado.

 

22/02/08
“Brasil fica de fora do Oscar 2008” e de 2007, 2006, 2005...

São 36 centímetros desenhados em bronze folheado por ouro 24-kilates, pesando algo em torno de quatro quilos, e que numa loja de penhor custariam pouco mais de trezentos reais, numeradas a partir de 1949 começando por “501”.

Há quem ganhou várias, como Walt Disney, premiado com uma estatueta e sete miniaturas pelo clássico infantil Branca de Neve e os Sete Anões , ou Marlon Brando, que pôde até recusar o segundo prêmio de Melhor Ator por O Poderoso Chefão e defender a causa indígena. Há quem, como David Lynch, vive sendo indicado e sempre volta pra casa sem nenhuma. Há sempre alguns como Ben Hur , Titanic e O Senhor dos Anéis que fazem questão de levar todas para as coleções dos estúdios. E há quem até passou a perna no vencedor porque perdeu em sua categoria.

O “Academy Award of Merit” (a lenda do nome vem do diretor executivo da Academia, ao ver pela primeira vez a estatueta achou-a muito semelhante ao seu “uncle Oscar”) nasceu na época em que já existia o cinema falado, em 1928. Inicialmente, a academia possuía poucas categorias e a cerimônia de entrega acontecia longe dos holofotes. Os jornais publicavam apenas no dia seguinte quais eram os premiados em cada categoria.   

Muita coisa está diferente de lá pra cá. Hoje, o Kodak Theatre recebe em seu tapete vermelho todos os grandes atores, diretores, roteiristas, figurinistas, músicos e tantos mais distribuídos nas 21 categorias do gigantesco império do “star system” criado por Hollywood, numa cerimônia de gala que envolve milhões de dólares (apenas o minuto do comercial no SuperBowl é mais caro do que no Oscar). Contudo, uma coisa permaneceu igual durante esses 80 anos: o cinema brasileiro ainda não teve o gostinho de ouvir um “ And the Oscar goes to...”.

Em 1999, com o entusiasmo da boa safra da Retomada, o Brasil apresentava chances reais de levar pela primeira vez o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, contando ainda com a indicação de Melhor Atriz para a veterana Fernanda Montenegro. Mas deu azar de ter como concorrente Benigni e seu A Vida é Bela , que tinham tema e estéticas adequadamente mais apropriadas (segundo o já histórico método de votação dos membros da Academia) para levar o prêmio . Parece haver uma predileção por discussões humanas de caráter histórico e, entre elas, o nazismo é sempre um tema que desperta chances de vencer a categoria. Assim, Central do Brasil , de Walter Salles, foi descartado.

Três anos antes (e após 33 anos sem dar as caras em Los Angeles, desde o grandioso O Pagador de Promessas ), foi a vez de O Quatrilho , de Bruno Barreto, tentar o prêmio , igualmente sem sucesso. O Que é Isso, Companheiro ? tentou também em 1998, mas passou despercebido.  A adoção de narrativas lineares sem abuso de características autorais, aproximando o cinema ao esquema da dramaturgia televisa, é possivelmente um dos fatores que determinou o relativo sucesso de público nacional nesses filmes; e por outro lado, o revés do êxito por essa adoção estética foi o descrédito internacional sob críticas que argumentavam justamente a respeito das características excessivamente novelísticas.  

O Melhor Filme Estrangeiro nunca foi brasileiro O prêmio de Melhor Filme Estrangeiro, conhecido nos Estados Unidos como Oscar de Melhor Filme Falado em Língua Estrangeira, foi criado em 1948 e contempla todos os filmes que não são falados em inglês. É o lobby quem decide os concorrentes na categoria e, no limite, o vencedor. O órgão responsável pelo cinema (no Brasil, a Ancine) decide qual o filme, dentre todas as produções feitas naquele ano, que possui maior representatividade fora do circuito nacional. E é aí que entra o dinheiro.

A partir da escolha começa uma propaganda para promover o filme internacionalmente: capas de revistas, sessões especiais, coletivas, entrevistas, jornais, etc. Se o mesmo possui boa repercussão, alguma distribuidora internacional (“Cidade de Deus”, por exemplo, foi distribuído pela Miramax) compra o direito de exibição nas salas dos Estados Unidos. Dessa forma, o Melhor Filme Estrangeiro acaba se tornando o Melhor Filme Estrangeiro mais bem promovido nos Estados Unidos. Mas antes disso, para que receba a indicação nacional, o filme deve passar por relativo julgamento crítico dos tais órgãos, que avaliam sua viabilidade comercial. Assim, mais do que os aspectos técnicos, estéticos ou os valores artísticos, o que se coloca sob análise é a movimentação do filme dentro da gigantesca indústria cinematográfica estadunidense. Por isso que, num ano de vinte ou trinta lançamentos, o que acaba sempre caindo no gosto da maioria da população é o indicado ao Oscar.

E, para o público brasileiro, parece ser o português uma língua estrangeira quando o assunto é cinema. Alguns filmes, como O Auto da Compadecida, Carandiru ou até Central do Brasil, eram ininteligíveis sem legenda para qualquer falante nato da língua e foi só graças às melhorias de equipamentos e à digitalização do som que hoje em dia isso se tornou possível. A ineficiência técnica e a escassez criativa transformaram os filmes nacionais num artefato cult - mais do que cinematografias iranianas ou coreanas. A má qualidade do som, a linguagem, os enredos insossos e a inexperiência dos atores, muito adaptados às novelas, fizeram com que assistir ao cinema nacional se tornasse uma opção duvidosa pra muita gente.

As conseqüências desse quadro compuseram uma dinâmica nada favorável a uma produção mais prolífica do cinema. A baixa qualidade de muitos dos filmes desmotivava os exibidores, que viam no cinema nacional um espanta-público; nos investidores, que viam no cinema nacional um elefante-branco; nos espectadores, que viam no cinema nacional uma experiência muito pouco prazerosa ou até mesmo torturante.

Ainda por parte das grandes locadoras é mantida essa áurea que obinubla novas perspectivas para o nosso cinema . Mesmo naquelas em que há uma seleção por diretores ocorre uma divisão natural entre os filmes de todo o mundo e os filmes nacionais. Rosselini, Welles e Godard ficam de um lado, enquanto num outro – no meio de filmes da Xuxa ou dos Trapalhões – escondem-se Sganzerla, Rocha ou Coutinho. O reconhecimento da cinematografia nacional é praticamente nulo, senão inexistente , para a grande maioria da população no Brasil. Vide uma recente entrevista dada pelo diretor Fernando Meirelles onde argumenta que o filme Tropa de Elite, de José Padilha , teve um alcance popular muito maior do que qualquer obra de Glauber Rocha, ou melhor, toda sua filmografia. Não é julgar os méritos artísticos dos cineastas e nem a repercussão popular antes disso, é deixar de subjugar sempre o nosso produto e consagrá-lo somente em momentos como este. E o desconhecimento é um eficiente fomentador de idéias.

Por mais que o Oscar seja, indiscutivelmente, um prêmio de caráter industrial, é de extrema importância para o novo panorama que nosso cinema venha a ser premiado. Pixote, A Lei do Mais Fraco , de Hector Babenco, só adquiriu importância nacional no momento de sua indicação, quando foi relançado em todas as salas de cinema conquistando, assim, o público que outrora o ignorou.

Nesse ponto, surge outro importante aspecto. O tal sucesso e o turbilhão de críticas em cima de filmes nacionais como o de José Padilha acabam justificando-se mais pela discussão sócio-política do que pelos movimentos de câmera, os travellings , a iluminação ou a montagem. Quando a estrutura narrativa dos filmes da Retomada é transgredida por Cidade de Deus pouco foi dito, tampouco elogiaram o belíssimo trabalho da direção de fotografia, que também estava concorrendo a um Oscar. A crítica passa a usar e abusar de sociologismos para julgar a narrativa incitando sempre discussões sobre o que o filme fala, e nunca falando do filme. Assim, com Capitão Nascimento, discute-se a polícia; com Zé Pequeno, as favelas; com Pixote, a marginalização e com Johnny, as drogas e a classe média. Aquilo que Paulo Emilio Salles Gomes chamava de subdesenvolvimento – e no Brasil, o subdesenvolvimento é um quadro geral – parece que atinge a todos os meandros da produção até chegar ao passivo espectador, que olha tudo e não enxerga quase nada. Sucumbindo a todo esse bombardeio de informações sem muito julgar. Parece que o cinema nacional enfrenta uma crise ainda maior: a crise da ficção. Apenas os filmes de caráter sócio-político ganham dimensão a ponto de serem debatidos abertamente pela mídia televisiva. Esta, que tem o poder de atingir grandes parcelas da população, transfere a discussão do conteúdo do filme para o cotidiano e os telespectadores reagem indo aos cinemas. Então, qualquer roteiro que depreenda de um sentido “baseado em fatos reais” vai pro ostracismo; e a arte pela arte, pro saco.

O diretor Cao Hamburguer, O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias , comentou que não estava interessado em vencer e que para ele é mais gratificante participar da Mostra de São Paulo do que Cannes ou o Oscar. Ora, que seja uma opinião de caráter extremamente pessoal, pois é fato que para a nossa cultura – e para as políticas de formação de platéias de filmes nacionais – grandes prêmios podem favorecer em muito a atual condição de desmerecimento. E essa demonstração de falsa modéstia é só mais um exemplo do subdesenvolvimento e do nosso cinema como um produto subjugado.

Em 2008, outra vez, o Brasil não estará presente na competição e, é tão explícito que se torna óbvio, após o Prêmio de Melhor Filme no Festival de Berlim , que Tropa de Elite seja o indicado para 2009. E que ele esteja entre os melhores cinco finalistas. E que José Padilha possa subir ao palco e receber o prêmio. Ao menos assim os brasileiros poderão saber quem é o diretor daquele filme que eles viram e o Brasil terá um Oscar na prateleira. Que o reconhecimento externo interfira no modo como as pessoas que vêem e fazem cinema encaram o nosso produto. E tomara que, enfim, acabe toda essa passividade.

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Isaac Pipano
é estudante de jornalismo da Unesp. Candidato a jornalista e escritor, misto de músico frustrado e crítico de brincadeira, dono de gargalhada constante e inflamada, sãopaulino só em dias de título e não assina seus próprios perfis. Fale com ele: isaacpipano@faac.unesp.b


   
 

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