OPPERAA
 
Baby Boom
     
 
 
     

"Onde os Fracos Não Têm Vez", dos Irmãos Coen, e "Sangue Negro", de Paul Thomas Anderson, são filmes que narram a trajetória de homens no passado para falar dos nossos tempos.

 

07/04/08
Entre o sangue e os fracos

"Já terminei", diz Daniel Plainview, no ato final de uma cena intensa e visceral, forçosamente brechtiana, após 158 minutos de demonstração do poderio de uma atuação impecável e do peso do ator na construção soberba de uma personagem. Por sua vez, um Tommy Lee Jones sereno e enfastiado narra à sua velha mulher um sonho que teve, sob um silêncio mortal do velho Texas ao fundo. "Então eu acordei", conta o xerife que não gosta de armas. As duas cenas encerram os filmes Sangue Negro e Onde os Fracos Não Têm Vez, respectivamente, e embora pareçam drasticamente opostas, são semelhantes. Semelhantes como a própria estrutura dos filmes é.

Ambos são baseados em romances. No Country for Old Men, a primeira adaptação na cinematografia dos irmãos Ethan e Joel Coen, que conta com outros onze roteiros originais, foi encontrada no livro homônimo de Cormac McCarthy, que lhes permitiu sair do duvidoso caminho criativo para o qual estavam indo como no chato Matadores de Velhinha. Sangue Negro, de Paul Thomas Anderson, o mesmo diretor de Magnólia e Boogie Nights, baseou-se na trajetória do petróleo e um prospector de Oil!, uma novela do norte-americano Upton Sinclair.

No filme de Anderson, Johnny Greenwood, do Radiohead, assina a trilha sonora demonstrando uma habilidade peculiar na construção de temas e linhas dissonantes. A autenticidade da música deu ao filme um caráter ainda mais intenso e soturno. Qualquer tom de humanidade e harmonia é recusado através de acordes densos e sons eletrônicos – quase espaciais – postos aparentemente em desconjunto com a fotografia livre, ampla e repleta de planos abertos e panorâmicas. Para os Coen, a trilha sonora – ou sua total ausência – é também primária para o desenvolvimento da narrativa. Não há música e cenas violentas com tiros, explosões e extremado suspense estão entremeadas por períodos longos de silêncio lacerante. Não um silêncio de diálogos – que são tão marcantes quanto os profetizados em Fargo, Na Roda da Fortuna ou O Grande Lebowski, que permitiu aos seus atores ficarem marcados pelas personagens -, mas um silêncio próprio da terra, gerando uma atmosfera exageradamente realista. O silêncio massacra e se faz presente por todo o tempo, sendo abalado algumas vezes de forma súbita e cruel, durante a improvável caçada representada por Josh Broolin e o minucioso psicopata de Javier Bardem.

E como a citação foi pertinente, não há como desconsiderar os filmes sobre a perspectiva da interpretação. Como já foi dito na abertura do texto, temos um Daniel Day-Lewis monstruoso na pele e alma do prospector de petróleo Daniel Plainview, um homem disciplinado e abjecto, sem quaisquer resquícios de humanidade, criando vínculos afetivos falsos motivados apenas pela ambição, tirando proveito de tudo o que lhe convir. Não há paixão em nada durante sua busca obsessiva por enriquecimento, numa trajetória onde sentimentos humanos não têm espaço. Embora Onde os Fracos Não Têm Vez divida a narrativa em três personagens carismáticos – e, entre eles, o xerife humanista e enfadonho de Tommy Lee Jones e Josh Broolin, o caçador que se vê caçado por um acaso -, é Javier Bardem quem rouba a cena, transformando a classificação “coadjuvante” num equívoco. A composição fotográfica da personagem - o cabelo penteado sistematicamente de forma a parecer quase ridículo, o andar passo a passo e os olhares carregados de ódio – deram a Javier o Oscar e ao personagem a consagração. A maldade injustificável é descrita na face, na maneira fria como comete seus assassinatos e na calma como Chigurg caminha em busca de seu alvo, como um algoz sedento pela morte.

Estranho como ambos - Chigurg e Plainview - se parecem; homens obstinados e imunes a quaisquer manifestações de sentimentos, os dois conduzem a narrativa assombrando com seus minimalismos. Estranho é, no entanto, o apreço que estes mesmos homens têm pela honra, ao passo que mantém em total indiferença sua relação com os demais. Como se a devoção plena às próprias convicções fossem os únicos valores que justificam a existência.

A última cena é reveladora nos dois filmes, pois fecham e abrem diversos aspectos discutidos anteriormente. Em Sangue Negro, Paul parece ter reservado seu melhor para o final, como se o filme crescesse de forma progressiva até o clímax inesperado no encerramento. Se para este a maneira como a película se encerra é que surpreende, no filme dos Coen o que deixa o espectador atônito é a forma súbita como acontece. Uma longa descrição é observada num plano médio para que, em seguida, venha a tela escura com os letreiros, instigando a memória para que retenha na mente a última frase, que nesta altura já foi esquecida.

Existem, ainda, diversos outros aspectos que poderiam ser esmiuçados para comparar os filmes, contudo, nenhuma dessas leituras seria mais eficaz ou mesmo valorosa do que a própria contemplação dos filmes. Onde os Fracos Não Têm Vez e Sangue Negro são, sobretudo, demonstrações de um cinema autoral que lida com histórias do passado pra dizer muito sobre os nossos tempos.

Leia também

11/03/08 - Um cineasta que não gostava de Cinema Krystof Kieslowski

22/02/08 - Brasil fica de fora do Oscar 2008, e de 2007, 2206, 2005...


_______-_______________________________________
Isaac Pipano
é estudante de jornalismo da Unesp. Candidato a jornalista e escritor, misto de músico frustrado e crítico de brincadeira, dono de gargalhada constante e inflamada, sãopaulino só em dias de título e não assina seus próprios perfis. Fale com ele: isaacpipano@faac.unesp.b


   
 

O melhor álbum de 2008 já?
A Rolling Stone(USA) sugere alguns. Votaria em qual? (Clique para ouvir)

Cat Power
Vampired Weekend
Hot Chip
Snoop Dogg
Black Mountain
Nenhum destes
                                  VOTAR!
 

Expediente::: Quem Somos::: Parceiros :::: Contato:::Política de Privacidade:::Patrocine nossa idéia
Copyright © 2008 O Binóculo On Line All rights reserved