
15/10/07
Muitos estilos num
único traço
Cercado desde sempre por
figuras caricatas, rascunhos e nanquim, o pequeno Danilo
Aroeira aprendeu a desenhar e gostar de histórias
em quadrinhos ao mesmo tempo em que aprendia a ler e escrever.
A roda dos anos girava em torno da década de 90,
e o gosto pela arte do desenho foi aumentando à medida
que o garoto descobria novas personagens, fascinado pelos
heróis e pelos humanos das HQs que experimentava.
Hoje, à véspera da estréia de seu estande
no Festival Internacional de Quadrinhos (que acontece em
BH entre 16 e 21 de outubro), o quadrinista e publicitário
nos conta um pouco de sua história e das possibilidades
abertas pela sua participação no FIQ.
Você estréia
este ano um estande próprio no Festival Internacional
de Quadrinhos. Como tem sido sua participação
no evento até agora?
Eu sempre ia como visitante,
mas recebi este ano uma proposta para entrar e decidi que
seria agora. Porque com quadrinhos eu já trabalho
há sete, oito anos, mas no FIQ nunca tive a oportunidade
de expor.
E qual foi o primeiro trabalho?
Comecei no colegial com um
projeto com a minha própria escola, o Magnum, com
a confecção de revistas de um personagem chamado
Magnito. Em 99, o Magnum o lançou como mascote para
integrar uma estratégia de marketing, cujo desenvolvimento
levou à criação de um prédio
de ensino infantil também chamado Magnito
e com isso ao lançamento de uma revista chamada
Magnito e sua turma, que começou a ser
feita por mim no seu segundo ano de vida. Eu tinha 15 anos
e me chamaram para fazer a segunda edição
da publicação. Eu não era profissional,
fazia tudo à mão, entregava para eles os originais,
tanto que eu nunca mais vi os originais dessas primeiras.
A partir daí, firmamos uma parceria que tem durado
eles não abrem mão de fazer comigo
, e o negócio evoluiu. Tenho até conseguido
formar o universo dos personagens, com vilões definidos
e até uma heroína que ajuda o Magnito, que
eu inventei. O projeto tem pra mim um valor duplicado: por
um lado, tem um link com a comunicação; por
outro, com a pedagogia. Gosto muito disso, pois a revistinha
promove a escola e consegue chegar às salas de aula
ao mesmo tempo.

Antes da turma do Magnito,
você já tinha personagens criados?
Sim! Tenho vários personagens
numa linha infantil que chamo de A Tchurma. Eles têm
um universo definido, vários personagens, mas nunca
tive a oportunidade de criar uma história em quadrinhos
mais longa para eles. As maiores têm uma página,
assim. A Tchurma eu tenho desde os sete anos, e são
personagens que eu vou trabalhando na medida em que posso.
Tenho até algumas histórias deles de quando
eu era criança, mas são histórias completamente
imaturas, que só têm em comum com as de hoje
algumas características na personalidade de alguns
personagens. Certa vez eu criei um fotolog para fazer uma
tirinha diária da Tchurma, mas como não tinha
registro, nem sabia como funcionava isso, acabei tirando
do ar. E com a falta do compromisso diário com o
fotolog, acabei parando de produzir para a Tchurma. O Magnito
continuou, porque era o trabalho principal, tinha demanda.
Fora isso, eu sempre ilustrei, desenhei, mas sem personagens
específicos.
Como funciona o seu processo
de criação?
Ah, cara, varia muito. Por
exemplo, a Tchurma é meio que uma Turma da Mônica
minha. Os personagens tomaram caminhos muito diferentes
dos da Turma da Mônica, mas é isso aí
mesmo; por causa da minha referência maior, ela surgiu.
Tem até um caso interessante que me aconteceu na
Expocom, quando eu entrei com umas histórias que
eu tinha desde os 15 anos e recebi terceiro lugar. E, assim,
no ano seguinte, decidi entrar com mais afinco e fazer uma
história mais caprichada, pra ganhar. Fiz uma história
muda, com uma mistura de personagens caricatos e objetos
realísticos, de três páginas, que acabou
ganhando o primeiro lugar. No caso dessa vencedora do Expocom,
eu já tinha colocado algumas referências novas.
Agora mesmo estou fazendo uma história especificamente
para este FIQ, que tem umas mulheres assassinas, e tal.
Se você acompanhar no meu fotolog, teve uma época
em que comecei a desenhar mulheres seminuas, com armas,
em poses provocativas e ameaçadoras... Foi nesse
caminho que veio a idéia de que isso daria uma HQ,
porque eu achava supervendável, e pensei mesmo em
fazer quadrinhos pornôs e talvez buscar parcerias
com motéis, sei lá, coisas simples, pro cara
usar e jogar fora. Aí vieram as ninfetas assassinas,
que eu podia colocar também cenas de ação.
Não ficaram pornográficas no final, mas pude
colocar climas eróticos em conjunto com as cenas
de ação.
Mas você deu uma direcionada,
quando recebeu a proposta do FIQ?
Eu funciono melhor por demanda,
então quando eu entrei no FIQ, falei: vou aproveitar
e fazer essa. Vai ser uma história-piloto,
de mais ou menos 16 páginas. Queria fazer até
mais, mas não tive tempo. Então vou tentar
publicar uma revista mais para adultos, com histórias
dessas ninfetas e mais um enredo voltado para o personagem
ganhador da Expocom; vou selecionar as melhores histórias
da Tchurma, desenhar umas novas, e vou fazer uma publicação
também, tentando chamar a atenção do
público infantil e infanto-juvenil, além da
criação de um site para a Tchurma. Resumindo,
com o FIQ eu me direcionei para três frentes: uma
com o Magnito, uma com a Tchurma, e a outra, mais adulta,
com as ninfetas e o personagem vencedor da Expocom.
Quais foram as suas primeiras
referências quando ainda não era um quadrinista
profissional?
Eu cresci numa casa em que
várias pessoas desenhavam, então fui estimulado
a desenhar. Começa por isso. Não tive um clique
que me fizesse pensar você é quadrinista!,
sabe? Mas a figura central era certamente o meu avô,
que era ilustrador, caricaturista e cartunista, com quem
eu vivi até os meus sete anos de idade. Aprendi muito,
vendo ele desenhar. Ele não me impunha nada, não
me ensinava a desenhar, e foi assim que fui
pegando gosto pelo negócio. Essa é uma referência.
A outra é a Turma da Mônica, que eu lia muito,
muito, muito. Nem conhecia outros quadrinhos, para falar
a verdade. Foi quando, gostando de ler e de desenhar, eu
decidi fazer as minhas próprias histórias,
que eram péssimas, na verdade. Com seis anos de idade,
fazia umas coisas meio sem nexo, com uns balões estranhos
etc. Cheguei a criar uma espécie de alter-ego, um
personagem que era eu, mas que era um herói ao mesmo
tempo. E a Tchurma foi saindo dele, os personagens da Tchurma
eram os amigos... Eram os meus amigos! Mais tarde, conheci
as revistas de super-heróis, os quadrinhos europeus,
japoneses, que me ajudam na criação de coisas
como as ninfetas e me influenciam muito, até no Magnito.
O que você lê
que te faz ser o quadrinista que você é hoje?
Eu leio muitas coisas que não
conheço, leio muitos independentes, leio muita coisa
de amigos independentes da Internet. Se eu fosse falar de
grandes exemplos, ou ídolos, eu teria que falar uns
quatro ou cinco. Até mais que isso: Maurício
de Souza é um deles, porque não dá
para pensar em quadrinhos infantis sem pensar nele; Ziraldo,
por causa da ligação com a comunicação;
Will Eisner, por causa do quadrinho mais humano, que pra
mim chega a ser shakespeariano; o Alan Moore; o Frank Miller;
o Nobuhiro Watsuki criador do Samurai X; e o Hiroaki
Samura, criador do Blade. Pra mim, atualmente, esses são
os caras.
O que vai ter no seu estande
do FIQ?
Eu vou colocar revistas para
venda nas três paredes disponíveis no meu estande,
vou levar as revistas do Magnito que eu não
posso vender e as colocarei numa mesa, para expor
o trabalho. Além disso, devo levar pastas grandes
com desenhos não publicados para mostrar.
Quais as suas expectativas
com o evento?
Não sei qual oportunidade
pode aparecer pra mim, mas, com o FIQ, espero que apareçam
oportunidades para a Tchurma e para o Magnito. É
neles que eu aposto minhas fichas.
E as histórias na
linha adulta?
As histórias adultas
são minha válvula de escape: são mais
para eu poder escrever o que quiser, desenhar o que quiser
etc., porque eu acho que o público brasileiro não
está acostumado com esse tipo de quadrinho, e isso
o faz muito menos viável comercialmente.
Por quê?
Porque o povo brasileiro não
lê. Não lê nada, na verdade. E ele tem
uma visão do quadrinho como se fosse exclusivamente
infantil. Aliado a isso, temos uma herança ligada
à ditadura, que é a de pensar o quadrinho
como um processo de criação marginal. O quadrinho
sempre foi execrado no nosso país, a não ser
o quadrinho infantil. E nesse mercado o Maurício
de Souza tem um nome muito forte.
Contatos com o quadrinista:
http://www.ad.art.br/
(31) 8809-7724
Site do Festival Internacional
de Quadrinhos:
www.fiqbh.com.br
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Ícaro Moreno Ramos
é jornalista, músico
e fotógrafo. Pós-graduando em História
da Cultura e da Arte pela UFMG, aprecia composições
alucinadas, artistas sagazes e poesia. Tímido, porém
astuto, esse devorador de livros é adepto das mais
diversas filosofias, porque Metafísica, Estética,
Lógica e boteco têm sempre o seu lugar. Escreve
todas as sextas-feiras na coluna Retalhos Culturais.
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