OPPERAA
 
Baby Boom
     
 
 
     

Ele resolve que vai jogar e brincar e torturar e liquefazer uma moça porque ela se droga, outra porque não se dá bem com o marido, um outro rapaz porque sofre com a perda do filho e com isso não vive bem a vida... Etc. etc. etc. Fico imaginando o que não faria com toda uma gama de intelectuais taciturnos (dos quais poderia citar muitos melancólicos e até mesmo outros instigadores da revolução dos costumes) o nosso triunfante serial.

 

23/11/07
O paladino do establishment

“Uma civilização que nega a morte, acaba por negar a vida. A perfeição dos criminosos modernos não é absolutamente uma conseqüência do progresso da técnica moderna, mas sim do desprezo à vida inexoravelmente implícito em toda escamoteação voluntária da morte”. (Octávio Paz, O labirinto da solidão).

“’Quando os mortos choram, é porque estão começando a se recuperar’, disse o corvo em tom solene. ‘Lamento ter de refutar meu amigo e colega ilustre’, disse a coruja, ‘mas, no que me diz respeito, creio que quando os mortos choram, significa que não querem morrer’” (Collodi, As aventuras de Pinóquio).

Ah, a hecatombe, o sacrifício, o holocausto, a lâmina que aprofunda, o moedor que contorce o músculo da face, a soda cáustica que penetra o fundo do olho aberto, do poro aberto, do cu aberto... Juro que não saberia optar, inspirado pela já tão famosa antologia Jogos Mortais, por qual buraco estraçalhar. Jigsaw riria da minha indecisão, certamente: não há espaço para titubear diante das atrocidades ocorridas em detrimento das leis morais que regem a totalidade do bem humano. Teleologia jigsawiana, diriam os mais apressados.

Mas penso que a algo dialética proposta do nosso herói é de um moralismo sem tamanho. Ele resolve que vai jogar e brincar e torturar e liquefazer uma moça porque ela se droga, outra porque não se dá bem com o marido, um outro rapaz porque sofre com a perda do filho e com isso não vive bem a vida... Etc. etc. etc. Fico imaginando o que não faria com toda uma gama de intelectuais taciturnos (dos quais poderia citar muitos melancólicos e até mesmo outros instigadores da revolução dos costumes) o nosso triunfante serial.

A verdade é que o grande Jig é a personificação que o raciocínio técnico impecavelmente cria para escamotear sua necessidade de romper a barreira inevitável da morte. E de fingir fazer do bem a sua meta. É o triunfo da lógica sobre a morte, em representação. Por isso que não deixa de ser sintomático que até morto (mesmo quase) o protagonista das películas Jogos Mortais consiga trucidar.

A parte mortal dos jogos não assusta, na verdade. Só quando não ultrapassa o efeito mortal é que começa a deixar assombros – no que as mutilações são muito mais assustadoras do que as mortes, já que predispõem a vida alterada pela via da dor extremada e crônica. Em termos também de lembrança. A pressão psicológica imposta deduz, antes que a morte, a terrível continuação do confinamento aleijante. É provavelmente quando existem as tradicionais automutilações do filme – seus momentos mais assombrosos.

Se, ainda como em Octávio Paz, pensássemos que a “morte e a vida são contrários que se complementam, ambas (...) metades de uma esfera que nós, sujeitos ao tempo e ao espaço, só podemos vislumbrar”, estaríamos reconhecendo a relatividade de esferas que nos acostumamos a considerar absolutas, baseados na física clássica. Até Einstein e os seus pares entrariam nessa história, se não fosse pelo fato de que já teriam sido um alvo fácil da mente deveras fértil do nosso perfeito criminoso.

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Ícaro Moreno Ramos é jornalista, músico e fotógrafo. Pós-graduando em História da Cultura e da Arte pela UFMG, aprecia composições alucinadas, artistas sagazes e poesia. Tímido, porém astuto, esse devorador de livros é adepto das mais diversas filosofias, porque Metafísica, Estética, Lógica e boteco têm sempre o seu lugar. Escreve todas as sextas-feiras na coluna Retalhos Culturais.



   
 

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