
27/09/07
A
estréia
Era do tempo da máquina
de escrever. Não que fosse velho. Aos 40 sentia-se
pleno, cheio de planos, disposto a experimentar os sabores
da vida e do mundo. Lembrou-se do primeiro texto, sentado
à sombra das enormes marquises da escola. Naquele
momento sentiu-se parte de algo maior. Como se as letras
fossem mágicas e transbordassem para o papel psicografadas.
Jamais perdeu aquela sensação ao escrever.
Era como se um outro fosse recolhendo as emoções
e vertendo-as para o papel. E, no entanto, sabia serem suas
cada frase, cada pedaço de sentimento.
Agora estava diante da tela
em branco. O cursor piscando incessante, à espera
do que fosse digitado. Não conseguia desfazer-se
de um certo nervosismo. Talvez fosse melhor recorrer à
caneta e ao papel, ao invés de lançar as palavras
diretamente no computador. Livrar-se-ia assim do pânico
de perder tudo em uma daquelas trapalhadas da máquina,
quando ela, insensível, engolia horas de transpiração,
enviando para o longínquo espaço virtual aquilo
que doravante passaria a ser parte do museu das coisas perdidas
para sempre no cyber espaço.
Mas, no fundo, sabia bem o
porquê do bloqueio. Afinal, era a sua estréia.
A primeira vez que escrevia para um jornal eletrônico.
Tentava acostumar-se com a idéia. Era preciso caprichar,
escolher um tema, pensar em um eventual leitor que iria
ou não, a partir daí, considerá-lo
nos próximos acessos àquela página.
Talvez se falasse de sexo, assunto que tem o poder de mexer
com as pessoas e... Não. Melhor não. Talvez
melhor mesmo fosse expressar exatamente o que sentia naquele
momento. Refletir sobre os 40 anos de idade, a tela em branco
implorando pelas frases.
Depois era só digitar,
corrigir, ler em voz alta, trocar as palavras repetidas,
adicionar o texto ao e-mail, enviar para Cristina e para
o Rodrigo, agradecer o convite e esperar, ansiosamente,
pela publicação. Aí ver o texto no
ar, pedir aos amigos e amigas para ler e acompanhar o que
poderia ser a primeira de muitas outras crônicas.
Pronto. Missão cumprida.
Podia respirar aliviado, gozar daquele prazer que fica depois
do pequeno desafio vencido. E começar a pensar que
a próxima vez, talvez, seja mais fácil.
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Hamilton Reis
edita o jornal Fato em Contagem, gosta de política,
cinema, fotografia. É formado em jornalismo pelo
Uni-BH. Amante das letras escreve aqui quinzenalmente. Fale
com ele: hrjornal@uol.com
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