
27/02/08
Ienissei
Quando era noite ela olhava
os discos voadores e quase flutuando dizia poucas palavras.
A cada silêncio falava com o tempo, como se o tempo
fosse algo mágico que nascesse daquela esquina. Entre
as pernas trazia uma mistura do trágico e do belo
pintado no lado esquerdo do caminho. E era com um estreito
e sinuoso carinho que em um instante conduzia os homens
ao prazer. Entre abismos e teias o seu tédio enchia
as ruas e invadia lentas agonias boreais. Gostava de infinito.
Do seu seio tecia longas tranças,
entre filetes de sangue. Na boca as flores não mais
nasciam e o único perfume mistura-se com um cheiro
de pólvora que sufocava emoções. Era
toda estranha... traiçoeira. Era toda mulher. No
ventre um último vestígio de que foi fértil
e abençoada. Depois que pariu uma estrela teve um
acesso de estranhos e infindáveis orgasmos e quase
deixou a vida para ir visitar outro espaço, cuja
dimensão era mais próxima da eternidade.
Teve sete crias, que misturadas
em gotas de chuva desceram ao chão e não mais
voltaram. Assim que soube da sorte trágica bordou
sete ausências e plantou na cabeça fantasmas
que não a deixaram durante a maior parte da existência.
A necessidade de refúgio
a transformou a cada dia em uma amante da solidão.
E de vez em quando se surpreendia ali, admirando a imensidão
do escuro no qual reluziam pontos brilhantes dispersos.
Da tristeza que tecia em tranças que nasciam dos
peitos formaram-se lágrimas. E após longos
anos admirava os fios morenos que umedeciam a pele e que
lentamente iam cobrindo-lhe o corpo.
Muitas madrugadas depois os
seus olhos foram se fechando vencidos pelo cansaço
de se manterem atentos aos movimentos das ondas e do vento.
As lembranças castigavam-lhe o pensamento e um vulto
invisível feito de sombras beijava-lhe a boca desesperadamente,
como se tentasse reviver ternura e erotismo.
Quando por fim se apagou um
brilho final, que se fez forma de tridente, partiu. Sentindo
novamente a liberdade, voou e falou com o tempo, como se
partir fosse algo mágico. De onde via as estrelas
deixou longas tranças, que continuariam a conduzir
os homens ao prazer.
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2007
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Hamilton Reis
edita o jornal Fato em Contagem, gosta de política,
cinema, fotografia. É formado em jornalismo pelo
Uni-BH. Amante das letras escreve aqui quinzenalmente. Fale
com ele: hrjornal@uol.com
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