
20/12/07
Raquel não chora mais
Naquela tarde Raquel voltou desolada para a empresa. No almoço tinha brigado com uma das filhas. O motivo da discussão foi banal, mas era apenas a gota d água. O clima estava tenso desde quando a caçula decidiu assumir o namoro com o filho do padeiro, sujeito bruto e inconseqüente que liderava uma turma de vadios do bairro. O bife revirou no estômago e teve medo de passar mal. Decidiu ir de táxi para não chegar atrasada.
Poucos minutos depois de sentar-se na cadeira ela ouviu a voz do chefe resmungando algo. O que era burburinho virou um grito e ela levantou-se assustada. Entendeu que era seu nome e apressou-se em cruzar rapidamente a sala. O Sr. Kasinski estava nervoso. Suava. Em uma das mãos agitava a carta que ela havia digitado pouco antes do meio dia. “Burra, idiota, incompetente” disparou à queima-roupa o empresário, entre outros impropérios. Raquel ainda tentou segurar o choro, mas não conseguiu. As lágrimas não paravam. Alguns colegas espiaram de dentro de suas salas, mas ninguém disse nenhuma palavra. O temperamento explosivo do imigrante alemão que tinha prosperado fabricando motocicletas era conhecido. Mas a necessidade do emprego fazia com que todos silenciassem e aceitassem como normal a sua estupidez. A necessidade falava mais alto.
Raquel também precisava do emprego. O marido tinha desaparecido e era dela a responsabilidade de cuidar das filhas. Tinha o aluguel, a faculdade da mais velha e a mensalidade da tevê a cabo, único luxo ao qual ela se permitia, já que assistir a filmes era a sua distração nos finais de semana. Por isso, durante dois anos ela suportou a pressão, o mau humor, o assédio moral daquele velho senhor de estopim curto. Mas dessa vez não suportou a humilhação. Interrompeu o expediente, recolheu seus objetos pessoais e foi direto ao sindicato das secretárias. Ouviu atentamente as explicações da advogada e decidiu que iria processá-lo.
Meses depois, quando veio a sentença da justiça Raquel ficou emocionada. A indenização de R$ 42 mil não era o principal motivo de sua alegria. Sentiu-se digna. Teve orgulho de sua atitude e de não ter recuado nos momentos difíceis. Sabia que iria conseguir outro emprego. Era capaz, competente. Não havia razão para temer o futuro. E, principalmente, não teria motivos para se envergonhar diante das filhas, a quem sempre tinha ensinado que não se pode abrir mão dos próprios direitos. Imaginou a cara do ex-patrão e no quanto deveria ser pesaroso para ele desembolsar aquele valor. Quem sabe assim ele repensa a sua postura e passa a tratar melhor as pessoas, pensou. Naquele dia sentiu uma sensação de paz como a muito não sentia. E se permitiu a assistir “Uma secretária de futuro” na sessão da tarde. Mesmo sendo terça-feira.
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Hamilton Reis
edita o jornal Fato em Contagem, gosta de política,
cinema, fotografia. É formado em jornalismo pelo
Uni-BH. Amante das letras escreve aqui quinzenalmente. Fale
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