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Todos sabiam o que havia acontecido, mas não se intrometiam. Sabiam que o destino haveria de marcar um reencontro para elas, para recompensar.

 



29/11/07

O silêncio do amor

Foram longos os quatro anos de silêncio!

Talvez a vida fosse melhor se as verdades pudessem ser ditas sem medo de magoar, pensava Carol. Como podia uma amizade de infância ser abalada por uma bobeira daquelas?

Elas cresceram juntas; brincaram com a vida na infância. Uma sabia o que mais agradava a outra. Tatiana tinha longos cabelos pretos, pela negra e um olhar vivo. Era de família pobre. Seus pais se esforçavam, muito além das forças humanas, para lhe dar uma boa educação escolar. Quando ingressou na faculdade de jornalismo, sabia que teria grandes dificuldades financeiras para tocar o barco até a outra margem do rio. Mas pulou de cabeça. Não tinha outra escolha, precisava atravessar.

Os cabelos louros de Carol estavam sempre bem penteados. Os olhos miúdos conseguiam observar as coisas essenciais. Seus pais conseguiram, ao longo da vida, economizar para dar à filha uma boa educação escolar. Carol tinha uma garra incomum. Prestou vestibular junto com Tatiana para o mesmo curso. Resultado: classificaram-se nas dez primeiras colocações.

A alegria foi geral! Estudariam na mesma sala e enfrentariam as dificuldades juntas.

Mas algo saiu errado...

A mãe de Carol sofria de uma grave doença no cérebro e não pôde acompanhar os estudos da filha. O enterro de dona Ceci foi marcado para aquela terça-feira chuvosa, às 17h00. O destino também havia marcado para Tatiana uma entrevista de emprego que parecia ter caído do céu. Caso tudo desse certo, ela conseguiria bancar sozinha sua faculdade. Só tinha um detalhe: era no mesmo dia e horário do enterro de dona Ceci.

Tatiana não poderia perder aquela grande oportunidade. Passou o velório todo ao lado de Carol, mas sem coragem de dizê-la que não poderia ir ao enterro de sua mãe. Achou melhor não dizer. Talvez tivesse errado aí. Carol não entenderia o porquê de Tatiana não ter contado a verdade.

Na quarta-feira, aquela bela amizade sangraria. Tatiana ligou logo cedo para Carol.

- Oi! Você está melhor?
- Como pôde me abandonar quando eu mais precisava da sua amizade?, retrucou Carol em soluços
- Mas eu não a abandonei...
- Onde estava na hora do enterro da minha mãe?
- Precisei ir a uma entrevista de trabalho.
- Que bom! Tomara que tenha conseguido um ótimo emprego, pois perdeu minha amizade.
-  Carol, escute...
-  Me esquece!

Aquele ato de Carol deixou Tatiana em pedaços. Muitos alegaram que se não fosse o orgulho que ambas tinham, a amizade não seria a grande sacrificada. Mas algumas coisas precisam acontecer. E isso precisava.

Elas não se falaram por uma semana. Um fato inédito desde que tinham 12 anos. Agora, ambas tinham 20.

As aulas na faculdade começariam logo. Como seremos da mesma sala e não conversaremos? E os trabalhos em grupo? Eram as perguntas que se faziam. Mas o orgulho seria o protagonista dessa história por 4 anos.

Apesar de não trocarem palavras, comunicavam-se pelo silêncio e trocavam admirações. Todos sabiam o que havia acontecido, mas não se intrometiam. Sabiam que o destino haveria de marcar um reencontro para elas, para recompensar.

Com o emprego, Tatiana foi capaz de pagar sua faculdade por dois anos, até conseguir bolsa integral. Pôde, assim, fazer estágio em sua área. Carol também se dedicou. Deu exemplo de caráter e competência.

E os anos da graduação iam se diluindo na fumaça rala do tempo. E elas amadureciam pelo fogo do amor e da admiração. Apesar das inúmeras oportunidades de cicatrizarem aquela ferida, o orgulho de ambas deu as cartas, mas não fez as regras.

A esperada formatura chegou. No convite os agradecimentos:

Agradeço a Deus, pai todo poderoso; a minha querida mãe que me ensinou o valor da vida e que agora vive no céu; ao meu pai por me mostrar que caráter se constrói aos poucos; a minha família pelo amor; aos professores pela sabedoria e a minha grande amiga Tatiana que me mostrou que uma grande amizade jamais acaba e fez com que eu buscasse, sempre, ser uma mulher de valores.

Carol Nunes Xavier

Agradeço a Deus, força soberana; aos meus pais, exemplos que sempre seguirei; a minha família, luz em meu caminho; aos professores, saberes que levarei para vida toda e a minha amiga Carol, luz que me fez ser mais mulher e me amadureceu no silêncio do amor.

Tatiana Maria Machado

O destino se redimia. O abraço era questão de tempo. E aconteceu com o choro guardado, com as emoções não vividas. Elas não queriam discutir o passado, pois sabiam que ambas tinham errado. Queriam viver o futuro e essa grande amizade de jornalistas, que foi amadurecida pelo silêncio do amor.

Foi o que fizeram!

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Gledson José Machado é jornalista, amante da literatura, da poesia e das escritas. É assessor de comunicação da Açoforja. Escreve todas as quintas-feiras. E-mail: gledsoncd@gmail.com


   
 

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