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Baby Boom
     
 
 
     

Os cabelos tinham perdido a cor de outrora. Os olhos, apesar de cansados, ainda lhe ofereciam muitas delícias. Aos 81 anos, “Seu Tarcísio”, como era chamado, tinha muitas histórias pra contar. E contava com amor pela causa. Seu passatempo preferido era ler. Adorava literatura. Discutia apaixonadamente quando não concordava com o autor, quando pensava que o final deveria ser diferente.

 



20/12/07

Entre pai e filha

“Toda saudade é uma espécie de velhice!”

Ele adorava a frase que lera num livro de Rubem Alves. Quando qualquer conversa durasse mais que 3 minutos, ele enchia o peito e a declamava como se fosse um lindo poema. Na maior parte das vezes, a frase não tinha nada a ver com o contexto da conversa, mas achava que valia a pena divulgá-la. Nem sempre quem ouvia, entendia bem, mas sorria como se disfarçasse o desentendimento.

Os cabelos tinham perdido a cor de outrora. Os olhos, apesar de cansados, ainda lhe ofereciam muitas delícias. Aos 81 anos, “Seu Tarcísio”, como era chamado, tinha muitas histórias pra contar. E contava com amor pela causa. Seu passatempo preferido era ler. Adorava literatura. Discutia apaixonadamente quando não concordava com o autor, quando pensava que o final deveria ser diferente.

Há mais de 35 anos era viúvo. Apesar dos seus 9 filhos, vivia muita parte do seu tempo sozinho. Tinha feito sua escolha, não queria incomodar. Aprendera a conviver pacificamente com a solidão, quando esta o acompanhava. Sabia curtir o tempo. Alegava que já trabalhara muito e, agora, precisava sentir a vida como uma criança que dorme. E fazia das suas palavras ações. Sorria toda vez que o choro queria sufocá-lo. Acreditava assim que podia vencer a saudade e a tristeza. Nem sempre conseguia.

Naquela noite, “Seu Tarcísio” sentiu muita falta da sua filha caçula. Priscila foi a última a sair de casa. Assim como ele, ela era apaixonada por leitura e, às vezes, ficavam horas discutindo livros, autores, desfechos. Mas a engrenagem do mundo não pára. Priscila precisou mudar de estado para continuar seus estudos. Há quase 4 meses eles não se viam.

“Seu Tarcísio” ligou para Priscila convidando-a para passar um dia com ele. Priscila largou tudo como estava e veio ficar uma semana com seu pai. Ela também estava precisando disso. Assim que chegou, eles se abraçaram e ambos choraram o choro da felicidade.

Colocaram o papo em dia. Beberam o vinho que “Seu Tarcísio” tinha comprado para a ocasião. Discutiram literatura como nos velhos tempos. Priscila foi se deitar, estava cansada da viagem.

“Seu Tarcísio” ficou na sua velha poltrona para ler mais um pouco. Relia o livro “Ensaio sobre a cegueira”, de José Saramago. Sorria dos últimos tempos em que vivera intensamente, sem se preocupar com as tolices que consomem a vida. E, de repente, cegou. Mas sua cegueira era definitiva, não voltaria a enxergar neste mundo.

Priscila só descobriria pela manhã.




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Gledson José Machado é jornalista, amante da literatura, da poesia e das escritas. É assessor de comunicação da Açoforja. Escreve todas as quintas-feiras. E-mail: gledsoncd@gmail.com


   
 

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