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As anotações contam sobre a vida diária de Yamashita no Japão enquanto pesquisava sobre a vida de brasileiros descendentes de japoneses que lá viviam, notando as diferenças, similaridades e estranhezas de um Japão que, lenta e relutantemente, integra-se com a cultura brasileira enquanto tenta, ao mesmo tempo, agarrar-se a costumes e tradições que são puramente japonesas.

 

15/01/08
Pertencer ou/e não pertencer

No mestrado li muito sobre escritoras nipo-descendentes. Aprendi muito sobre a Segunda Guerra Mundial, sobre campos de concentração (sim, durante a segunda grande guerra todos os descendentes de japoneses que moravam nos EUA e no Canadá foram isolados em campos de concentração), sobre a cultura japonesa e sobre a minha percepção do mundo. Sim, porque a literatura sempre foi o meu room of requirement, meu refúgio, o espaço onde aprendo mais sobre as coisas e as pessoas. E enquanto eu lia e pesquisava e procurava respostas, esbarrei com Yamashita, uma autora norte-americana descendente de japoneses que já viveu no Brasil.

Circle K Cycles, quinto livro de Karen, publicado em 2001 (sem tradução, Coffee House Press, 220 pág.), é uma coleção de anotações de diário e ensaios pessoais mesclados com contos, recortes de jornais e até receitas, em um formato extremamente diferente do romance tradicional. As anotações contam sobre a vida diária de Yamashita no Japão enquanto pesquisava sobre a vida de brasileiros descendentes de japoneses que lá viviam, notando as diferenças, similaridades e estranhezas de um Japão que, lenta e relutantemente, integra-se com a cultura brasileira enquanto tenta, ao mesmo tempo, agarrar-se a costumes e tradições que são puramente japonesas.

Ainda que a língua “oficial” do livro seja o inglês, Yamashita incorpora os idiomas japonês e português do Brasil neste livro. Neta de japoneses, sua nacionalidade é norte-americana. Casada com um arquiteto brasileiro, a autora viveu nove anos no Brasil. A escrita de Karen é híbrida, porque mistura conhecimentos, opiniões e experiências absorvidas nas três culturas. Após viver nos Estados Unidos, no Japão e no Brasil, Karen descobre hábitos únicos, palavras intraduzíveis e faz fortes críticas sociais aos três países, deixando claro que pertence às três culturas e a nenhuma por completo.

Fico sempre pensando sobre esta noção de “pertencimento”. Não no sentido capitalista da palavra, de posse, não é isso. Falo do sentimento de se encaixar em algo, de "caber" em um espaço, como se existissem moldes vazados perfeitos para cada pessoa e só precisássemos encontrar o nosso. A literatura dita pós-colonial me ensinou muito sobre isso, me poupou anos de terapia. Não existem tais espaços. É preciso criá-los, moldá-los, é preciso empurrar daqui e dali, incomodar quem está em volta, chorar, sentir dor, ser forte, fincar o pé, para que o molde seja seu, e não você dele.

O capítulo “July – Circle K Rules”. Em meio a um texto que mistura impressões sobre o funcionamento “social” dos três países, Karen monta uma lista de regras que mostram como ela percebe cada país. Alguns exemplos de regras japonesas:

“Tire os sapatos ao entrar em casas e prédios.”

“Ao vestir um quimono, feche o lado esquerdo por cima do direito.”

“A opinião dele é a opinião dela, é a minha opinião, é a sua opinião. Eu concordo.“

Agora, algumas das regras brasileiras de acordo com a autora:

“Não há regras. Todas as regras podem ser quebradas ou evitadas.”

“Ao sair de uma festa, levante-se uma hora antes para beijar e abraçar cada uma das pessoas presentes.”

“Nada é sagrado; não perca a piada.”

E, por fim, a impressão da nipo-americana sobre os Estados Unidos:

“Fale inglês.”

“Na dúvida, consulte seu advogado.”

“Nós somos o mundo. Nós somos o lugar mais feliz do planeta. Nós aceitamos American Express, Mastercard ou Visa.”

Ao mesmo tempo em que percebo certo distanciamento nas descrições, estereotipadas (a preocupação japonesa com a tradição, o desleixo brasileiro, a fixação por poder dos Estados Unidos), vejo a questão do pertencimento de Karen em cada uma das culturas. Apesar de tais críticas, em momento algum ela defende um país em detrimento de outro; seus olhos observam os países com igual distância e proximidade, sem o sentimento de “pertencer” a algum deles. Mais adiante no livro, esse sentimento se evidencia:

“Minha coluna dói. É mais longa que deveria, geograficamente expandida. É mais curta que deveria, comprimida e digitalizada. É uma grande abstração, uma vértebra de elocuções híbridas onde me conecto às mensagens em, talvez, 25% do tempo. É múltipla e reversível, desconectada e, no entanto, completamente conectada, eterna e sofredora e infinitamente sensível. Ela é borda e fronteira. Ela é veículo e passageiro. Transporte e viajante. Ela é uma ponte e um animal de carga. Ela é a minha coluna.”

Yamashita faz de sua coluna vertebral uma metáfora para o deslocamento urbano, o seu próprio deslocamento. A mesma via que pode alongar e encurtar distâncias é também peso e cansaço, obediência e irracionalidade. Assim são suas “casas”: Seto, Los Angeles, São Paulo: tão próximas e tão distantes, tanto fisicamente quanto cultural/socialmente. Fascinantes e ao mesmo tempo uma armadilha. São assim as nossas “casas”, sempre aconchegantes e estranhas, o tempo todo. É assim a minha, sempre um refúgio e uma surpresa. E é aí que está a graça.

 

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Gabriela Fróes tem 26 anos e é mestre em Literaturas de Língua Inglesa, mas trabalha com localização de software, porque está na fase de achar que não se mistura trabalho com paixões. É casada com Ricardo e só dorme com a mão dele em seus cabelos. Tem medo de tudo, essa Chapeuzinho. E não tem vícios (salvo a mania de organização), mas leva um dia de cada vez. Fale com ela: gabrielafroes@gmail.com


   
 

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