
01/01/08
Ano novo, vida nova?
Ano
novo, vida nova. Eu gostaria de saber quem foi o otimista
que inventou essa máxima. Não só essa,
mas todas as máximas de ano novo. Alguém aí
já teve sua vida magicamente mudada do dia 31 de
dezembro pro dia 1º de janeiro do ano seguinte? Eu
não conheço ninguém. Alguém
já conseguiu mudar completamente a vida porque o
ano mudou? Uma amiga disse recentemente que não gosta
que lhe desejem feliz ano novo, porque desejar
não muda nada e o ano dela continua sempre a mesma
porcaria. Eu acho graça, penso no carinho que existe
na atitude de desejar. Desejar não é garantir,
é só uma mera esperança pelo outro.
Mas aí penso melhor, e observo que desejo um bom
ano novo pra qualquer pessoa, sem nenhum tipo de pré-seleção,
sem nenhuma triagem básica que torne meus desejos
de felicidade alheia verdadeiros, sinceros. Por exemplo,
eu não desejo de verdade que o atendente de telemarketing
que me atrasou a vida por meia hora e nada resolveu um bom
ano novo. Eu desejo a ele um futuro repleto de defeitos
eletrônicos e suporte técnico por telefone.
E vejo que minha amiga tem razão.
E que história é
essa de mudança de ano, afinal? Corri na wikipedia
e digitei calendário. Sistema para contagem
e agrupamento de dias que visa a atender, principalmente,
necessidades civis e religiosas de uma cultura. Esse
papo de necessidade religiosa sempre me incomoda, porque
me lembra do fato de que vivemos sob um sistema de regras
criado por um sistema maior que não apóio
e não respeito. A igreja, não a fé.
Mas isso é outro papo. Sistema para contagem e agrupamento
de dias. Isso me lembra de que toda a noção
de tempo que temos e que nos rege é mera convenção,
um acordo para que possamos manter nossa sanidade. Mas,
se estamos todos cientes do acordo, da convenção,
por que acreditar que o fim de um ciclo e o início
de outro têm qualquer relevância?
Porque precisamos acreditar
em alguma coisa, você me diz. A partir da convenção
do calendário, é mais simples calcular e prever,
por exemplo, as fases da lua, as posições
dos astros, e com isso criar mais sistemas de crenças
com base na lógica de que o primeiro sistema é,
desculpe a redundância, lógico. Não,
eu não faço idéia do que veio primeiro,
o calendário ou a astrologia, nem pretendo descobrir
isso para terminar esta coluna.
A questão é que
sempre que penso em coisas assim, chego no ponto de me dar
conta de que tudo que existe como parâmetro em nossas
vidas não passa de um contrato, seja social, religioso,
político, whatever. Desde o momento em que
nascemos, somos registrados, nosso mapa astral é
traçado, somos batizados, vamos à escola,
respeitamos condutas de cortejo, namoro, terminamos a faculdade,
nos casamos ou não, na igreja ou não, comemoramos
x anos de vida, de casamento, dos filhos, e até quando
morremos, tudo, do início ao fim, feito dessa forma
ou completamente diferente, é sempre carregado de
regras, acordos, estigmas, expectativas, normas, ritos de
passagem, padrões. Ou seja, mesmo aqueles que quebram
todas as regras se baseiam em um comportamento que reconhece
tais regras, para poderem ir contra as mesmas. Tudo que
fazemos desde o momento em que acordamos até o momento
em que vamos dormir é regido por um sistema maior,
de leis escritas ou não
que servem como base da convivência em sociedade.
E comemorar o ano novo é
apenas mais uma dessas leis, aprimorada aqui e ali pelo
comércio, pelas religiões, pela mídia.
Faustão de branco todo ano? E os fogos em Copacabana?
Champanhe, uvas, ondas? Ricardo e eu passamos a virada de
ano 2006/2007 dormindo. Será que isso influenciou
nosso ano? Consigo pensar em coisas ruins e coisas ótimas
que nos aconteceram este ano. Como qualquer convenção
pode ter relação com isso? Eu ficaria no mínimo
ofendida se alguém pensasse que tudo que conquistei
este ano foi mérito de mais alguém que não
meu. Fui eu que consegui tudo, sozinha ou com a ajuda das
pessoas que amo e me apóiam. Não quero dar
o crédito pra mais ninguém, forças
superiores, movimentos cósmicos, nada. Esse ano foi
meu, e ninguém tasca.
Vida nova? Se minha vida se
renovou, e isso acontece de tempos em tempos, digo que ela
não tem nenhum respeito por calendários, fases
da lua ou programas globais. Não tem conhecimento
das regras e não as respeita, não compreende
os acordos tácitos e sua renovação
nada tem a ver com a lógica. O ano passa e eu fico,
ou passo muito antes dele. Não existe parâmetro
pra me melhorar. Não devia existir pra ninguém.
Pegue sua lista de resoluções e tire o prazo,
apague a data lá de cima. Não dependa de um
calendário pra se renovar, não espere o inferno
astral passar, não espere o carnaval chegar.
Não se guarde. Gaste-se.
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18/12/07
- Patchworking ou Estréias são sempre estréias
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Gabriela
Fróes tem 26 anos e é mestre em Literaturas
de Língua Inglesa, mas trabalha com localização
de software, porque está na fase de achar que não
se mistura trabalho com paixões. É casada
com Ricardo e só dorme com a mão dele em seus
cabelos. Tem medo de tudo, essa Chapeuzinho. E não
tem vícios (salvo a mania de organização),
mas leva um dia de cada vez. Fale com ela: gabrielafroes@gmail.com
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