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Baby Boom
     
 
 
     

O amor arrebatador, aquele que não pode ser evitado – nada pode ser feito, nothing can be done – já foi discutido pelos grandes pensadores, e a verdade é que, ainda todo mundo saiba que tudo não passa de um bando de “inas” (serotonina, dopamina, endorfinas) trabalhando em conjunto, nada disso importa quando somos cegados por elas.

 

12/02/08
Tu amas, ele ama, eu te amo

"Comes a rain storm, put your rubbers on your feet

Comes a snow storm, you can get a little heat

Comes love, nothing can be done”

A música aí em cima, de preferência na voz de Joni Mitchell, fala do amor como aquele sentimento arrebatador que conhecemos. Parece bobo falar de um tema tão batido como este, mas me dêem algum crédito. O amor arrebatador, aquele que não pode ser evitado – nada pode ser feito, nothing can be done – já foi discutido pelos grandes pensadores, e a verdade é que, ainda todo mundo saiba que tudo não passa de um bando de “inas” (serotonina, dopamina, endorfinas) trabalhando em conjunto, nada disso importa quando somos cegados por elas. Pode ser o vizinho barulhento que um dia é gentil com você e abre a porta do elevador, pode ser a moça do ônibus que sempre tropeça na hora de entrar, pode ser o rapaz que trabalha na mesa ao lado e faz comentários brilhantes na hora do almoço. Pode ser até aquela sua amiga de anos que de repente passou a ter um brilho diferente. Você não quer saber de “ina” nenhuma; isso tem que ser legítimo. O que a gente sente tem que ser legítimo.

A minha versão preferida para as razões que justificam o amor é a de Platão. No famoso trabalho O banquete, ele explicou o amor, o desejo, justificou o homossexualismo e, de quebra, ainda fez com que, em 2001, John Cameron Mitchell escrevesse “The Origin of Love”, aquela música sensacional pro filme Hedwig and the Angry Inch, que transgride tudo isso quando é cantada por um transexual. Mas voltemos a Platão.

No livro, Platão apresenta a idéia de que todos neste planeta têm uma “alma gêmea” (palavras minhas), um par perfeito. No discurso de Aristófanes, lemos que “o homem primitivo era redondo, suas costas e lado formando um círculo, e tinha dois pares de mãos e pés, e uma cabeça com duas faces olhando para sentidos opostos, sobre um pescoço redondo e precisamente parecidas” [tradução livre]. Aristófanes explica também que havia, naquela época, três gêneros para os homens: o masculino, o feminino e um terceiro, o “andrógeno”. Os homens eram fortes e resistentes, e aos poucos começaram a tentar atacar os deuses. Zeus decidiu então cortar cada um deles ao meio, diminuindo assim sua força. Em seguida, jogou-os de volta à Terra, em que todos passariam o resto de suas vidas procurando por sua outra metade.

Neste mito sobre existirem metades perfeitas para cada um está toda a base de nossa noção de amor. Aristófanes ainda completa dizendo que quando se encontra a sua metade, “os dois se perdem em uma perplexidade de amor e amizade e intimidade, e não sairão um do olhar do outro por nem um segundo: estas são as pessoas que passam a vida inteira juntas, e ainda assim não são capazes de descrever o que desejam um do outro”.

É claro que a psicanálise e outras ciências já pensaram racionalmente sobre Platão e falaram sobre a maluquice que é pensar que se depende de uma pessoa específica pra se sentir completo. De como é absurdo viver uma relação de reciprocidade imaginária entre o eu e o objeto, em que a gente acha que vai se completar no outro, já que este outro é visto como a parte que nos falta. De como é bobo pensar em Abelardo e Heloísa, Catherine e Heathcliff, cantarolar “Meu bem querer” do Djavan ou rever <i>Before Sunset</i> com uma caixa de bombons numa mão e uma caixa de lenços na outra.

Mas, em noites fresquinhas como essa em que escrevo, em que a luz da lua ilumina meu laptop e eu penso no choque entre o natural e o tecnológico, entre o romântico e o pós-moderno, entre Platão e Leminski (que, neste momento, sairia da minha tela e declamaria “podem ficar com a realidade / esse baixo astral / em que tudo entra pelo cano / eu quero viver de verdade / eu fico com o cinema americano”), gosto de pensar que encontrei minha metade, que ela lê, neste momento, aqui ao meu lado, um autor britânico contemporâneo qualquer, enquanto eu penso que não entendo realmente o que desejo dele, mas que desejo, apenas, e isso me basta.

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O discurso de Aristófanes pode ser lido em http://www.anselm.edu/homepage/dbanach/sym.htm

 

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Gabriela Fróes tem 26 anos e é mestre em Literaturas de Língua Inglesa, mas trabalha com localização de software, porque está na fase de achar que não se mistura trabalho com paixões. É casada com Ricardo e só dorme com a mão dele em seus cabelos. Tem medo de tudo, essa Chapeuzinho. E não tem vícios (salvo a mania de organização), mas leva um dia de cada vez. Fale com ela: gabrielafroes@gmail.com


   
 

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