
26/12/07
Vidinha nossa
Acordou e a primeira coisa
que pensou foi fazer um cafezinho e comer, talvez, bolachas
de água e sal, com o que tivesse na geladeira. Poderia
ir à padaria, mas teve preguiça. Além
do mais estava atrasada. Vivia atrasada. Ainda tinha que
passar na casa da avó e deixar uma sacola não
sei do quê. Que saco.
De tantos atrasos não
tinha tempo: tempo pros amigos, tempo para si, tempo para
livros, tempo para ouvir música, tempo para ler a
revista inteira, tempo pro jornal que acumulava na sala,
tempo para visitar um amigo, tempo para ser feliz.
Então resolveu acender
um cigarro e se sentir o máximo. Porque quando a
gente fuma, a gente se sente o máximo. Aliás,
por falar nisso, o maço já estava no fim.
Logo precisaria ter tempo para passar nalgum boteco e adquirir
outro.
Ficou pensando: necessitava
baixar músicas, pois estava em desacerto
com os novos lançamentos. E não queria ficar
pra trás, porque os colegas cults não paravam
de perguntar se já havia escutado esse ou aquele,
lido esse ou aquele, assistido a esse ou aquele. Não
sabia o que dizer, estava meio por fora, precisava se atualizar.
Com isso não tinha tempo
para ou se esquecia de ligar para sua mãe ao menos
uma vez por semana. Apenas quando estava em crise, fosse
para aconselhamentos, fosse para contar sobre
a vida das primas, fosse para gritar por socorro de tédio
ou porque estava dodói.
Assim, a vida passou. Nostalgia.
A universidade passou, os amigos passaram, a diversão
passou e o tempo de cineminha ficou pra trás. Adultos
não vão ao cinema, não tenho mais idade
pra isso. O marido veio, com ele vieram o carro popular,
almoços de domingo, jornada de oito horas diárias,
assinatura de jornal local,casa nova e pintada e decorada
com poltronas únicas na sala, estante, TV 29 polegadas,
tapetinho, vasos, quadros e tudo que uma habitação
necessita ter. Um luxo.
Daí casaram-se. Que
felicidade, uma festança, muitos presentes e musiquinhas
bregas e toscas pra dançar no salão do bifê.
Com as alianças no dedo
veio a construção familiar, o casamento e
o filho, uma graça de Deus, lindo, sem cabelos e
com cara de joelho. Um meninão agraciado, gordinho,
saudável, uma beleza.
Mas, o melhor ainda estava
por vir: o meninão do papai logo cresceria e, logo,
seria o grande herdeiro: i-gual-zi-nho aos pais.
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Gabriel
Pansardi Ruiz é jornalista ainda não
graduado, reside em Bauru-SP e gosta de rock ´n roll.
É editor do jornalístico cultural "Revista
Ponto e Vírgula", veiculado pela
web rádio Unesp Virtual, onde também produz
reportagens para os programas "Raiz Social" e
"Ecoando". Mais escritos no seu
blog. Escreve todas as segundas. E-mail: gabrielpruiz@yahoo.com.br
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