
14/01/08
Free o que mesmo?
Modo de vida da estudante
faz repensar valores impregnados na sociedade moderna. Na
entrevista ela mostra algumas de suas idéias e meios
viáveis (ou não), para se fazer economias
e incentivar o coletivismo
Carina Ruiz é universitária,
cursa atualmente o terceiro ano do curso de tradução
na UNESP, campus de São José do Rio Preto.
Ela veio a Bauru participar do CEUF 2007, o congresso estudantil
das universidade UNESPs e FATECs que ocorreu entre os dias
28 e 30 de setembro.
Carina tem 20 anos, adora andar
de bicicleta, mora em república, é vegetariana
há aproximadamente dois anos e gosta de temas como
movimento estudantil, anarquismo e modelos alternativos
de existência vital. Esforça-se para adotar
um modo de vida, desconstruindo manias e maneiras
de pensar. Tem estatura média, aparelhos nos dentes,
usa óculos, a pele é clara e os cabelos castanhos:
um misto de fios lisos e o penteado dread. Ela
distribui muitos sorrisos e possui estórias como
a de uma república que de tanta socialização
dos bens da casa, não se sabia mais que roupas eram
de quem, um usava a do outro e o outro a do um.
No campus de Bauru, num dos
jardins próximo à cantina da faculdade, debaixo
da sombra de uma pequena árvore, Carina estendeu
um grande pano e dispôs objetos sob ele: shampoo de
saquinho, livros, colares e diversos outros.
O que são esses objetos
estendidos aí, vocês estão vendendo?
Não, a gente está trocando! Nossa,
que diferente. Faz parte da estratégia freegan.
É uma estratégia de vida com poucos recursos
financeiros. Interessante, mas free o
que mesmo?
O que é Freeganismo?
O nome vem da fusão
de free, do inglês que é de
graça e vegan que significa pessoas
que não comem nada de [origem] animal. Então
seria o vegan que consegue as comidas sem pagar por elas.
É uma estratégia para conseguir viver fora
do mercado o máximo possível, sem capital,
sem dinheiro, se virando. E se valendo do desperdício
que a sociedade capitalista produz, os excessos. É
você se aproveitar disso para não precisar
ficar comprando. Mas o objetivo freegan seria também
plantar, não só coletar alimentos através
do desperdício.
Mas na prática como
funciona isso?
Já entrei em vários
sites e o pessoal discute que não dá pra ser
cem por cento freegan. Mas na verdade não é
ser cem por cento freegan, mas aplicar estratégias
freegans. Então por exemplo, ao invés de jogar
suas coisas fora, você troca com um amigo, os móveis
usados, ao invés de vendê-los etc.
No caso dos alimentos você
vai à feira e pode conseguir várias coisas.
Fiquei impressionada, achei que teria produtos que não
iam rolar sabe? Mas tem muita coisa que dá pra aproveitar,
que eles jogam fora. Se não dá pra comer cru,
dá pra cozinhar. Mesmo quando a gente compra bananas,
por exemplo. As últimas bananas do cacho ficam escuras
e às vezes amassadas. E o que a gente faz com elas?
Você não joga fora, mas faz um doce. Então
no caso, a gente já pega as bananas amassadas ou
escuras e já faz direto o doce! (risos)
E outras coisas também.
Com garrafas PET dá pra fazer vassouras, com retalho
de pano, a gente faz cintos, tapetes, n coisas.
A galera procura em lixão,
por exemplo, móveis. Tenho uma escrivaninha em casa
que veio do lixo da Unesp que eles haviam jogado fora. Seria
essa estratégia de você não comprar,
mas sim arranjar sabe?
E como que você começou
a ter contato com freeganismo?
Foi há pouco tempo.
Nas últimas férias (janeiro/fevereiro de 07)
você fica em casa o dia inteiro, sem fazer nada e
na internet o dia todo. E aí comecei a pesquisar
temas que gosto, como anarquismo, vegetarianismo, yomango
e encontrei freeganismo; então pensei,
nossa o que será isso?. Comecei a ler
sobre e quando retornei para [São José do]
Rio Preto, pensei, vamos ver se rola esse negócio
da feira. Aí fui à feira num domingo
e consegui alimentos pra minha semana inteira. Porque ás
vezes os alimentos caem no chão e as pessoas ficam
com nojo de pegar de volta, mas o alimento está perfeito.
A gente acha batata, abacaxi perfeito, laranja e limão
então nem se fala. Tem até uma barraca que
eles vão jogando as coisas que não estão
muito boas. E esse não estão muito boas,
muitas vezes é só de aparência. Sei
lá, a pessoa não vai comprar, por exemplo,
aquela banana que vem uma grudada à outra e aí
eu como! (risos)
Minha alimentação
virou de ponta cabeça, por causa disso, porque como
muito mais frutas e verduras do que qualquer outra coisa.
Deu muito certo. Já faz bastante tempo que faço
esse esquema da feira, o pessoal já me conhece e
separa coisas boas que sobram.
E mesmo com diálogo.
Por exemplo, tem um amigo meu que trabalha e ganha cesta
básica. Só que ele não usa tudo, então
ele me dá arroz, óleo. Posso dizer que com
comida não gasto dinheiro.
Tem também o lance que
acho o máximo do freeganismo (risos): o squat, que
é a ocupação de um terreno que não
estão usando e viver de graça nesse terreno.
É uma vida bem instável né, mas...
Graffiti
encontrado em Málaga, Espanha do símbolo internacional
dos moradores de squats.
Crédito: http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Graffitti_con_simbolo_okupa_malaga.jpg
Pretende expandir essas
idéias?
Sim, estamos com projetos!
Acabamos nos empolgando. Tem um projeto de juntar óleo
usado, gordura e tal e fazer sabão. Deu muito certo,
só lavo roupa e louça hoje com meu próprio
sabão. É caseiro, mas limpa tão bem
quanto o industrializado.
E tem uma idéia também
que é o escambo literário, ao invés
de tirar xérox, a gente tem uma geladeira que não
está sendo usada e dentro dela a gente deixa textos
do curso. Então veteranos vão embora e deixam
os textos que não vão usar lá e aí
ao invés de tirar cópias vamos lá antes
ver se tem e economiza bastante também.
Além desses exemplos
de alimentação e escambo literário
há mais alguma prática ou outro ideal?
Funciona na verdade como estratégias
anti-capitalistas. Tem uma estratégia que é
o desemprego voluntário, é também um
princípio: você não aceitar a idéia
de que precisa trabalhar para conseguir o seu alimento.
Você tem o direito à alimentação
e o direito de sobreviver. Então ao invés
de passar oito horas, sei lá, vendendo em alguma
loja, seria passar essas oito horas vivendo mesmo.
A auto sustentabilidade é
também bastante defendida. Por exemplo, teve um amigo
meu que foi para uma ocupação que tinha um
banheiro seco. Esse banheiro funciona assim: no lugar da
privada tinha tipo (eu não sei direito porque não
fui nesse lugar) um balde com terra onde você fazia
as suas necessidades ali...
Abrange tudo sabe, no meio
ambiente, na menor quantidade de dinheiro, não usar
absorventes, não usar papel higiênico. No caso
do absorvente usar toalhinhas, é melhor pro meio
ambiente e saúde.
Algumas pessoas inclusive possuem
objetivos de se criar até comunidades, pelo menos
isso é uma coisa minha, particular. Por exemplo,
você faz uma ocupação, aí você
planta e usa as necessidades das pessoas como adubo e aí
você tem reduzida quantidade de lixo, você está
criando uma comunidade que é melhor pro meio ambiente
e não cai no capitalismo e nas suas correntes.
Podia falar um pouco mais
sobre o desemprego voluntário?
No caso do desemprego voluntário
acho muito importante. Porque nos obrigam a perder nosso
tempo se alienando, porque o trabalho muitas vezes não
acrescenta nada, meu pai por exemplo, passou a vida toda
trabalhando em banco, totalmente fechado, sem aprender muita
coisa, enquanto que você poderia estar estudando,
cuidando da sua casa.
E como você não
tem tempo para essas coisas, precisa de conforto, precisa
de um micro ondas pra economizar tempo.
Antes você estava
comentando comigo sobre a bicicletada, o que é isso?
A bicicletada é um movimento
de São Paulo em favor do meio ambiente. Acho que
ocorre toda última sexta-feira do mês, umas
seis horas da tarde. Eles se encontram na praça do
ciclista, que aliás, foi uma conquista do movimento
e fazem uma bicicletada. O movimento ocupa uma faixa das
avenidas. Mas qual é a função disso?
Eles estão se locomovendo não apenas nas brechas
que sobram pra gente né, mas realmente ali no principal
e aí fazem umas plaquinhas de trânsito, tipo
respeite, um carro a menos, o slogan, inclusive
é esse: um carro a menos. Eles fazem
bastantes coisas, colocam no chão, por exemplo, quando
está escrito pare, no lugar eles desenham
uma bicicleta, como se fosse, aqui é lugar de bicicleta.
Essa bicicletada é também
um movimento que luta por algumas coisas, porque por exemplo,
o lance não é que as pessoas deixem de usar
carros, mas que a cidade é feita para carros. Então
se você quer andar de bicicleta no trânsito,
você se fode, porque o carro não gosta de você,
ele vai te trancar. Então, é lutar por esses
direitos.
Eles fazem também às
vezes uma bicicletada especial, que é uma bicicletada
de executivo. Todos vão de terno e gravata. Isso
para mostrar que a bicicleta não é só
lazer, mas meio de transporte mesmo. Porém, é
uma coisa dificultada pela pressa, por ser um veículo
mais lento. E hoje as pessoas vivem com pressa, então
precisa viver mais com prazer e não apenas com pressa,
com obrigação, pô aproveita o trecho
da sua casa até o seu destino! (risos)
Crédito:
http://www.yomango.net/node/882

Prática de yomango
sugere pequenos furtos de grandes redes, mas apenas como
divertimento
Outra estratégia
que comentou anteriormente foi o Yomango. É outra
estratégia anti-capitalista?
Sim, o Yomango é também
uma estratégia anti-capitalista, tem até livro
sobre, chamado O Livro Vermelho, (El Libro Rojo
de Yomango). Eles falam o seguinte: que o capital tirou
todos os nossos direitos, se apropriou deles como produto
e vendeu de volta pra gente entendeu? Em troca do nosso
trabalho. Nós temos o direito de andar pra onde quiser,
tem o direito de educação, saúde, comida
e tudo mais. Então o que fez o capitalismo? Se apropriou
de tudo isso e vende como um produto, por isso tudo agora
é privado. Você precisa ir ao mercado e comprar
as coisas num ritual ridículo, aí você
pensa: ah, mas tenho liberdade de escolha!,
isso exato, escolher entre a marca A e a marca
B. Liberdade de não gastar você
não tem. Então o que falam no livro é
a re-apropriação dos nossos direitos. Claro,
não funciona, por exemplo, com o bar do tiozinho
da esquina que está tentando igual a você e
se ferrando na vida. São grandes corporações
como o Pão de açúcar, o Extra. Seria
entrar nesses lugares e se re-apropriar dos seus direitos,
furtando! (risos).
Mas assim, o Yomango seria
uma estratégia divertida, o fundamental é
se divertir fazendo isso. Então tem uma galera que
alopra no supermercado! Tem pessoas que começam
a comer no mercado e outras que levam pra casa. Na Europa
isso é mais freqüente. Lá também
é mais tranqüilo, porque uma certa quantia que
você rouba, você não apanha tanto como
no Brasil. Aqui é mais difícil. Já
conheci gente que apanhou por causa de gel de cabelo, de
voltar pra casa sangrando. Mas pode dar certo, conheço
pessoas que se divertem bastante com isso, comem tomate
seco, champignon, palmito... (risos).
Aí entra aquela coisa
né, vamos ser humildes? Mas espera aí, quem
tem dinheiro pode se alimentar bem e quem é pobre
se fode, você não tem o direito de escolher
o que você vai comer, tem que comer aquilo que o dinheiro
dá, que seja o mais econômico.
Mais:
Vídeo
de praticantes de Yomango
Freegan.info
Freegans
wikipédia.
El
Libro Rojo del Yomango na íntegra em PDF.
Leia
também
07/01/08
-
O ciclo
2007
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Gabriel
Pansardi Ruiz é jornalista ainda não
graduado, reside em Bauru-SP e gosta de rock ´n roll.
É editor do jornalístico cultural "Revista
Ponto e Vírgula", veiculado pela
web rádio Unesp Virtual, onde também produz
reportagens para os programas "Raiz Social" e
"Ecoando". Mais escritos no seu
blog. Escreve todas as segundas. E-mail: gabrielpruiz@yahoo.com.br
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