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Torso - Andy Warhol , 1977
Tinta sintética, polimera e serigrafia. 81.3 x 66 cm. The Andy Warhol Foundation for the Visual Arts. Foto: Philllips / Schwab

 




25/03/08

Ensaio sobre a nudez

Ei moça adocicada dos lábios de mel:

Escreva. Faça parar a vida, no caderno, na rua, na solidão do computador, na carona da circular, na parede do banheiro, no trem, escreva!

_E por que queres tanto meu senhor?
_Porque eu quero vê-la.

_Ver-me?
_Sim. Ler as palavras que insistes em esconder-me, lhe revela os pensamentos, lhe revela as idéias, as lutas e, sobretudo, lhe revela a alma. Deixa-a nua. Completamente. E deveis saber que as mulheres são lindas. A maior maravilha natural que Deus poderia criar. Mostre-se.

_Ah, sim - moço safado - entendi suas intenções.
_Que bom, vejo-a ser uma pessoa de vasta inteligência. Mas, o que me diz, vais escrever algo e mostrar-me?

_Não!
_E por que não menina?
_Porque não quero que me vejas despida. Tenho vergonha da minha nudez. Estou fora dos padrões estéticos (poéticos) aceitáveis. Peco nas celuligraficas, desconheço regras de estriação...

_Huumm, compreendo. Mas não se importe com os “pecados” que mencionou, praticamente não difere das pessoas a vossa volta e, mesmo que diferenciasse, repito: é coisa pouca, temos outras causas importantes para nos ocupar.
Entretanto, se a vergonha for, mostrar-se nua, tudo bem, nós temos medo do que as pessoas podem pensar ao nos ver nus.

_Sim, a vergonha és esta mesma que acaba de discorrer, senhorito.
_E então, não quer despir-se mesmo?
_Que atrevido!

_Você entendeu. O que me diz? Mostre-se, deixe-me ver sua alma, através das palavras que escreve!
_Ok, você venceu e os vencedores merecem batatas.

Arrancou do bolso uma grande batata selecionada do campo e lançou-a com extrema força no senhorito. Ele, em pé, rapidamente encolheu-se e moveu os braços e mãos para proteger o rosto. Passou raspando. Quando acalmou-se, olhou-a: ela ouvia músicas em um grande fone de ouvidos e lixava as unhas, o fundo branco, com o semblante tranqüilo.
Esticou o indicador, deu três batidinhas no ombro da moça que trajava um vestido cor-de-rosa lindo:

_Sim, pois não, em que posso ajudá-lo senhor?
Que loucura – pensou.

Ao invés de dizer qualquer outra palavra, a moçoila preferiu apontar o dedo para um móvel estacionado ao lado deles. Um livro repousava solitário sobre o criado mudo.

_O que é isso?
_Um livro!
_Estou vendo!
_Então por que perguntas?
_Ah, seja gentil, sou tão educado, isso já bastaria para uma conquista. Veja o trabalhão que estou tendo. Só quero lê-la, só isso.
_Só isso? Que pena – falou olhando para a lixa e as unhas.
_Seja gentil! – disse sorrindo.

Ganhou outro sorriso de volta. Lembrou-se do livro. Foi em sua direção, mas sentiu-se travado. Lucy agarrou-o pela camiseta, impedindo-o de alcançar o livro dourado.

_Espere – disse harmoniosamente.
_Pronto, agora sim.
_O que você fez?
_Lembrei-me que precisava enviar vibrações positivas pra mamãe. Ela pediu-me, ia fazer um curso para aprender a ser feliz - disse-me que agora - que a felicidade era questão de dias! Então, acabei de mandar as vibrações senão depois podia esquecer-me.

Estava impaciente, queria abrir logo aquele livro. O livro dourado.

_Posso? – disse desviando o olhar em direção ao livro.
_Pode!

Segurou-o. Não era exatamente um livro, mas um caderno de anotações. E, percebia-se logo, havia muitas coisas escritas, marcas de um caderno que vai de cá para lá a todo instante. Resolveu abrir numa página aleatória:


Assim como quero aprender um pouquinho de cada religião e ir pro céu com todas elas
Quero aprender cada pouquinho do seu corpo; observar atenta a sujeira escondida na sua unha, achar as perebas e delas cuidar;
beijá-lo na testa, entre as sobrancelhas, descobrir as pintas, sugar o cheiro da tua boca e pele...

Não vou me aborrecer com a sua cabeça gorda de esquecer todas as coisas, talvez meu pai tenha sido assim algum dia; nem vou aborrecer com o seu andar torto e seu bafo de onça, no fim do dia

Não vou ligar se você esquecer de me ligar porque estava entretido nalguma conversa de boteco sobre futebol, política, sexo ou sobre mulheres. E o principal: não vou ligar se as pessoas que lá estavam eu goste ou desgoste, se são amigos ou não.

Provavelmente eu vá pensar em vc toda vez que abrir a geladeira e encontrar potes de geléia de morango
Toda vez que ver uma notícia sobre luxo, naquele jornaleco de merda ou encontrar o livro da Patrícia Mello num sebo barato

Provavelmente me recorde. Toda vez que ouvir alguém divagando sobre Comte e lembrar daquele seu papo furado que não levava a nada, de divagações vagas;
Ou quando vier com aquela estória de felicidade em todos os momentos da vida

Nem vai fazer diferença se me beijares o beiço ou a vulva, contanto que beije.
Não fará diferença se trará um copo de leite ou uma cesta de café na cama, contato que o faça quando estiver afim.
Nem fará diferença se fume maconha, cigarro ou o que quiser, com a condição de que seja lá do outro lado da rua, meus pulmões são delicados;

...

Não terminou de ler. Havia mergulhado nas palavras e quando se deu conta ergueu a cabeça para ver o que Lucy fazia. Os quatro olhos se encontraram, refletidos um no outro, ela fitava-o ansiosa, pronta para dizer:

_Agora que estou nua, é a sua vez de despir-se.

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2007

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Gabriel Pansardi Ruiz é jornalista ainda não graduado, reside em Bauru-SP e gosta de rock ´n roll. É editor do jornalístico cultural "Revista Ponto e Vírgula", veiculado pela web rádio Unesp Virtual, onde também produz reportagens para os programas "Raiz Social" e "Ecoando". Mais escritos no seu blog. Escreve todas as segundas. E-mail: gabrielpruiz@yahoo.com.br


   
 

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