OPPERAA
 
Baby Boom
     
 
 
     

“Tem homossexual que solicita uma encomenda pra gente e, na hora da entrega, pergunta se não quer entrar, tomar um refrigerante, uma cervejinha, se não quer ganhar uma grana extra”, exemplifica sorrindo. E aí, dá pra encarar? – pergunto.

 



20/06/08
A vida sobre duas rodas

O telefone toca: “Alou? Oi, eu queria uma moto. Quanto é? Você vai pra onde? Vou lá para o centro. Qual o seu nome?...”.

Quem atende ao telefone é Ricardo Alves da Silva, 30 anos. Ele trabalha profissionalmente como mototaxista há aproximadamente seis anos em Bauru, município que tem legislação própria para o transporte desta categoria.

Ricardo diz que “corre” de segunda a segunda, durante os três períodos do dia. “Chego aqui na base às seis horas da manhã e vou embora perto das 21 horas”. As terças e quintas-feiras, porém, ele deixa o expediente mais cedo. “Faço um curso de hardware, então saio da base às seis e meia da tarde, mas, às vezes, depois do curso retorno e trabalho mais um pouco” – garante.

Alves roda diariamente uma média de 150 km, troca o óleo de sua moto semanalmente e utiliza o Moto Táxi Jd. Brasil - localizado na Rua Aviador Gomes Ribeiro, esquina com a Raposo Tavares - como ponto fixo. Ele faz “corridas” atendendo aos chamados da base e também a clientes que ligam direto no celular. No primeiro dia de reportagem (06/06), Ricardo quase não teve tempo para conversar. O celular tocou várias vezes, eram todos clientes. “Ainda bem né?”. O telefone da base também não parou, havia alguém ligando a cada cinco minutos.


Funcionamento
Para “correr” pelo Moto Táxi Jd. Brasil é preciso pagar uma diária de R$ 7, que dá direito ao motoqueiro de usufruir toda infra-estrutura do ponto: sofás, cozinha, banheiro, armário com cadeado, TV a cabo, computador com internet, beliche, jornal, bebedouro e uma mesa de sinuca, item que distingue bem o local.

Os motoqueiros afirmam que existe um contrato verbal com o proprietário do moto-táxi. Pelo contrato, o motoqueiro não pode ir trabalhar apenas quando quer, ele precisa trabalhar todos os dias, em turnos de 12 horas, “senão, é como se ele ocupasse o lugar de alguém que estaria pagando esta diária”, explica Rodrigo, que acabara de disputar uma partida de sinuca. Apenas o domingo não obrigatório. E se ninguém aparecer? “Nunca vai faltar motoqueiro, o dinheiro extra fala mais alto”, aposta Ricardo.

Para trabalhar como mototaxista legal, o candidato precisa pagar uma taxa anual e fazer um cadastro na Emdurb, empresa que regulariza a moto e distribui placas vermelhas, exclusivas para profissionais regularizados. O cadastro isenta o proprietário da moto de pagar o IPVA. A moto de Edson Ricardo, 28 anos, que exerce a profissão há mais ou menos cinco anos, não possui uma placa vermelha, entretanto, embora ache o cadastro importante, ele não vê vantagens no registro. “Tem muita gente clandestina rodando em Bauru, não acho interessante porque não tem fiscalização na cidade”, argumenta.


Rotina
É em cima das motocicletas que aqueles homens passam a maior parte do tempo de sua rotina de trabalho. “Por incrível que pareça acaba dando um cansaço físico muito grande, porque trabalhamos o dia todo praticamente em uma posição só, que é sentado” – observa Ricardo. O rapaz de aparência jovem e pele morena clara explica que o ir e vir, da base para a rua, é constante. “Imagine você passar o dia inteiro indo para a rua toda hora, você quase não desce da moto, isso cansa e nós precisamos de muita atenção no trânsito, porque temos uma vida sob nossa responsabilidade”.

Sentados nos bancos ou jogando sinuca, outros motoqueiros começam a narrar estórias da rotina de trabalho. Rodrigo contou que “ninguém quer trabalhar como moto-táxi, por ser perigoso e cansativo”, mas – nas palavras deles – “ninguém quer deixar o trampo aqui e ganhar 400 contos por mês”.

Enquanto encerava sua moto azul, Ricardo relatou estórias curiosas. Em uma delas, o motoqueiro diz ter levado sorte. “No meio de uma corrida o cara sacou um revólver e disse que só não me assaltou porque tinha gostado do meu modo de tratá-lo”. Segundo Alves, há descrições também sobre o assédio que os motoqueiros passam: “fazer corrida em troca de sexo, de prazer, tem muita mulher casada que quer pular a cerca e acaba intimando o motoqueiro”. E há quem vá além. “Tem homossexual que solicita uma encomenda pra gente e, na hora da entrega, pergunta se não quer entrar, tomar um refrigerante, uma cervejinha, se não quer ganhar uma grana extra”, exemplifica sorrindo. E aí, dá pra encarar? – pergunto. “Há quem faça, não confundo meu trabalho, mas nós temos aqui, por exemplo, um serviço diferenciado, que chamamos de moto-lover-boy”.

Há bases de moto-táxis que oferecem ainda outro serviço distinto. “Tem muito motoqueiro que usa a base como fachada para traficar drogas”, afirma Edson Ricardo. Recentemente, inclusive, um “motoqueiro” do Moto Táxi Jd. Brasil foi preso acusado de tráfico. “Saiu no jornal, procura aí”, disse a um motoqueiro que acabara de receber a notícia.

Em outro moto-táxi que trabalhou, Edson relatou que era constante a invasão da polícia atrás de traficantes. Pessoas apareciam armadas também para cobrar dívidas, segundo ele. “Uma vez chegou um cara com cano, se eu estivesse do lado [da pessoa baleada], tinha ido junto”.

Leia também

11/06/08 - De volta para o passado

07/04/08 - Hino ao seio

25/03/08 -Ensaio sobre a nudez

12/03/08 - E-lixo parte 3: Mas afinal, por que tanto alarde?

05/03/08 - E-lixo parte 2: Sucata digital saindo pelas janelas.

25/02/08 - E-lixo parte I: E-ditorial

11/02/08 - 0,5 ml de lágrima

21/01/08 - Travessuras na sala de aula

14/01/08 - “Free” o que mesmo?

07/01/08 - O ciclo

2007

___________________________________
Gabriel Pansardi Ruiz é jornalista, cursa o último ano na Universidade Estadual Paulista em Bauru-SP, curte de rock ´n roll, cinema, fritas, vodka e tem uma banda que toca em troca de cervejas. Trabalha como bolsista na web rádio Unesp Virtual, onde também produz reportagens para os programa "Raiz Social". Mais escritos no seu blog. Escreve quinzenalmente as segundas. E-mail: gabrielpruiz@yahoo.com.br


   
 

O melhor álbum de 2008 já?
A Rolling Stone(USA) sugere alguns. Votaria em qual? (Clique para ouvir)

Cat Power
Vampired Weekend
Hot Chip
Snoop Dogg
Black Mountain
Nenhum destes
                                  VOTAR!
 

Expediente::: Quem Somos::: Parceiros :::: Contato:::Política de Privacidade:::Patrocine nossa idéia
Copyright © 2008 O Binóculo On Line All rights reserved