23/04/08
Setor
de descartáveis
Está
ali na gôndola!
Diz a caixa do supermercado.
- Quanto é, você viu?
Uma amiga pergunta à outra.
- Ah! Mas, eu prefiro o alto de cabelo loiro.
Diz a mais jovem.
- É?
Questiona a mais velha.
- Claro! Imagina se eu engravido. Prefiro um pai lindo.
Afirma a jovem.
- Claro menina. Você está certa. Eu quero dois,
então.
Convicta diz a mais velha incapaz de engravidar pela idade.
- Quanto é moça?
Questiona a mais jovem a promotora.
A promotora olha com ar de desdém para os objetos
no carrinho com seus códigos de barra a mostra no
peito e olha para a placa que, exposta em cima do corredor
falava de uma grande promoção em letra garrafais.
- Coloca o quanto couber no carrinho que fazemos um desconto.
- Com certeza vocês enjoarão deles.
Afirma com cara de dona da verdade.
São descartáveis! A promotora novamente fala.
- Assim é melhor. Podemos variar!
Diz a mais velha ruborizada pela nova aquisição.
Saem as duas ao lado de dois
jovens rapazes com dois modelos diferentes de mulheres na
promoção. Um comenta com o outro que fez uma
ótima compra e que poderá aproveitá-las
até o fim do ano. O outro fala que usará seu
modelo em suas reuniões de trabalho.
As duas amigas entram no carro
e vão discorrendo tudo o que querem que seus modelos
façam para elas.
O que leva as pessoas a usarem uma outra como se esta fosse
um objeto de consumo perecível? Que exista um prazo
de validade. Um tempo para se usar e depois deixar de lado
aquilo que não lhe interessa ou que preste para ser
usado. Como roupa que quando passa a estação
e você coloca em um saco plástico para que
no outro ano possa ser usada novamente. Mulheres que foram
casadas tiveram filhos e sempre enganadas depois de anos
descobrem que o marido é homossexual ou que a trai
com uma vagabunda de beira de estrada. Que são ao
melhores que os mesmos, pois, deixam uma casa que construíram
com o suor do corpo e deixam tudo para esses aproveitadores.
São superiores a esses caras, mas se vêem dilaceradas
como indivíduos, humilhadas perante um a sociedade
machista que, ainda, vê uma mulher solteira que trabalha
e estuda ainda tem tempo para cuidar de duas crianças,
sozinha, enquanto o ex-marido fica preocupado com a próxima
plástica que vai fazer em seu rosto que, aliás,
a aparência física é a única
coisa que lhe restou de toda podridão existente dentro
de si.
Os casamentos de fachada que servem apenas para a sociedade
e a família, onde os membros do enlace traem-se mutuamente
e que seus amantes são apenas sustentáculos
de um corpo ávido por sexo e nada mais. Assim, vão
pisando em outras pessoas para sobreerguer-se, dando mais
uma nova função a seus objetos descartáveis.
Desta forma os relacionamentos tornam-se mais efêmeros
(detesto esta palavra), dissimulados. Ninguém é
capaz de sustentar nenhum tipo de sentimento por mais de
um mês sem ficar louco, ou melhor, sem ficar com outra
pessoa, sem usar um novo produto que fica disposto nas estantes
da sociedade. E a cada dia mais o interesse das pessoas
são as preocupações com a aparência,
ou seja, o produto já encarou a sua condição.
Para tanto, seu rótulo deve estar impecável
e, me parece que todos querem colecionar a maior quantidade
de rótulos fúteis por dia. Estão em
exposição novos e velhos, casados, “namorados”
e solteiros. Todos em busca da satisfação
utópica. Daquele algo a mais que não encontram
neles mesmos e que não encontraram no próximo.
E assim aqueles que nunca procuraram produtos a venda ficam
a ver navios, muitas das vezes, com tudo que aquele que
procura, intermitentemente, em seus produtos busca somente
os bons rótulos que são os de consumo rápido.
O engraçado deste movimento é que ele é
totalmente sem preconceitos, sem discriminação
racial e/ou opção sexual. Além de não
ter data de início Se você acredita no criacionismo,
Adão traiu Lilith com Eva (a primeira mulher machista),
porém ela nunca aceitou a submissão imposta
por seu marido e pediu ao “criador” asas para
sair do “paraíso”, sem entrar em questões
filosóficas, basta ser humano e não ter o
mínimo respeito para com o próximo para entrar
em voga, sem se esquecer de que você sempre será
independente, onipotente um deus na terra entre outros valores
divinos e supremos. O ser humano parece viver em cápsulas
onde nenhum sentimento consegue adentrar essa barreira de
proteção e quando começa a sentir que
seu companheiro(a) está nutrindo algo parecido, esta
barreira faz com o mesmo se afaste ou procure uma outra
pessoa para fugir deste sentimento que o desmascara. O medo
de sentir alguma coisa pelo o outro faz com que aqueles
que vivem de embalagens se escondam através de maquiagem,
fingimentos que fazem com os que acreditam no companheirismo
sofram com situações que acreditavam ser reais
e que no final das contas não passam de jogos feitos
por esses que se escondem.
Afinal, o que é melhor? Ser uma pessoa montada e
que existe apenas na superfície? E quando se abrem
estas portas secretas, apenas à podridão pode
ser alcançada ou pessoas que, muitas vezes, ficam
solitárias o resto da vida, mas, que viveram cada
momento feliz e certo que foram completas naquilo que fizeram?
“Minha dignidade e verdade não se encontram
em lojas!”
Dedicado a uma grande amiga.
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Urbano
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Frederico Caiafa é
Estudante de Letras - Born in 80s. Daqueles curiosos
que não desistem de conhecer algo desconhecido. Tento
transcrever em cada linha aquilo que vivo ou crio, não
tenho muita certeza do limite nesta relação,
porém, me arrisco na corda bamba sem pensar duas
vezes.
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