31/03/08
Plano aberto para
um corte de sequências
Plano aberto, foco inicia-se
da janela. Mostrando claramente a rua em frente. Lentamente
a imagem rotaciona-se em 180° entrando, assim, como
um pássaro por dentro do quarto onde um homem de
mais ou menos 30 anos, moreno, dorme nu solitariamente em
uma cama de casal. Dorme de bruço. O quarto tem em
suas paredes um papel meio antigo demais para a época,
sendo uma das paredes toda pintada de vermelho escarlate.
Seus lençóis são verdes.
No quarto, além da cama,
existe um computador e fotos, lembranças de momentos
importantes e, outros nem tanto, afinal deixava ali, pois
sempre um amigo ia visitá-lo, por isso era importante
deixar certas fotografias para agradar alguns deles.
O jovem se senta na cama de
forma pensativa, até mesmo atormentada.
Por que não parava de
sonhar com Cristiano? Olha para o teto tentando ver o céu.
Não entendia porque tinha esse eterno costume que
parecia em vários momentos ter nascido com ele. Acreditava
em algo só não Sabia se tinha a mesma definição
que toda a sociedade pregava. Nem era fanático, porém,
sempre quando angustiado lembrava seu nome.
Olha sua nudez, seu sexo letárgico
– no mesmo momento em que olha para o lado e observa
a cama vazia.
Olhar perdido.
O relógio começa
a tocar Geni e o Zepelin. Sim, Chico o único ser
humano que expressa verdadeiramente o sentido do amor e
suas dores, pensou.
Levanta-se e caminha meio tonto
de sono em direção do banheiro.
Noite.
Corte para o rosto do rapaz,
de igual idade e altura similar entre as janelas do vagão,
cabelos balançam no a .
Do outro lado da cidade Luiz
pega o metrô, o vagão sempre cheio no horário
em que sai de sua faculdade. Ele tem um rosto pensativo.
Não conseguia fixar o olhar em ponto algum.
Volta para o banheiro onde
Cristiano termina de fazer sua barba. Lava o rosto.
Enfim, quebrando o clima de suspense, Cristiano lembra-se
de Luiz mais uma vez e se pergunta quando irá vê-lo
novamente.
A expressão de seu rosto
novamente torna-se tesa, a dúvida e a aflição
de saber deste novo sentimento que foi deflagrado, ou melhor,
que foi descoberto.
A única luz acesa neste
momento no apartamento de Cristiano é a do banheiro,
no qual, ele se encontra atormentado por sua própria
figura refletida naquela superfície prata.
Close no rosto de Cristiano
voltando para nos olhos de Cristiano refletidos no espelho
da janela do vagão do metrô.
Ele ouve seu mp3 player, um
samba sofrido, daqueles que perderam algo que não
sabem como recuperar. Lembra das risadas dele com seu amigo
Cristiano, de como viveram praticamente casados, em um apartamento
no centro. Passava pela estação central próxima
a casa na qual morou por muito tempo onde, quando criança
conheceu seu vizinho que lhe acompanhou até a divisão
do apartamento mais tarde. Foi quando o pai de Cristiano
o expulsara de casa por ter descoberto a opção
sexual de seu filho. Eram como irmãos.
Flashback: Entra um senhor
com aparecia de uns 50 anos e abre o armário do filho
que se encontra na sala sentado em um sofá marrom.
Buscando algo no armário de forma que aparentava
que procurava algo que não, a sua expressão
se alterava, e o rosto ficava mais avermelhado e enrugado.
Até que sai do quarto com passos fortes e com uma
revista na mão. Chegou à sala e se posicionou
em frente ao filho e a televisão que, o mesmo assistia.
Jogando a publicação no filho, Cristiano,
que assustado a recolhe do chão, pois, seu segredo
havia sido descoberto.
Neste momento há um
corte na seqüencia.
Volta a imagem de Luis, primeiro
os pés, depois uma imagem lenta chegando a seu rosto
e terminando em seu sorriso.
Lembrou-se naquele instante
de com o abriu a porta para o amigo e do desespero dele
sem saber para onde ir. Lembrava também que a maldita
revista que era dele e não de Cristiano.
Logo outra dúvida o
abateu.
Porque mesmo não conversavam
mais? Estava ao lado da fonte da praça da estação.
22h00min. Noite escura com nuvens muito pesadas deixam tudo
com um tom cinza. A câmera pega o rosto de Cristiano
de baixo para cima. Vê-se ao fundo o relógio
e a estátua da liberdade em frente ao edifício.
Corta para o batente da porta
do banheiro da casa de Cristiano.
Cristiano sai do banho enrolado
na toalha e começa a se vestir. Em frente ao quadro
de fotos vê uma foto familiar, mas que a muito não
a reparava. Era uma foto de Luiz embaixo de outras que a
tampavam.
Foco nas mãos de Cristiano
que, lentamente leva a foto próxima a seu rosto.
Quase pôde sentir o perfume do creme de cabelo que
ele usava. Lembrou-se do tempo que os pais de Luiz faleceram
e que ele foi sua única. Não percebeu na época,
mas viu que vivia com Luiz como se fossem um casal. E notou
que o sentimento que sentia por Luiz era maior que não
percebera o quão grande era.
Sabia por que pensava nele,
só não havia reparado há quanto tempo
isso acontecia. O mais hilário era saber que sempre
dera força ao amigo para se arranjar com alguém,
porém, nunca houvera passado por sua cabeça
a possibilidade deste alguém ser ele próprio.
Dormira com várias pessoas pensando em Luiz e nas
possibilidades que poderiam lhe aparecer, às vezes,
pensava que alguns de seus “ficantes” poderiam
agradá-lo. Isso fazia seu peito se encher.
Há quanto tempo não
o via? Porque tudo terminou daquela forma?
Close no perfil.
Ator olha para um foco distante com olhar perdido.
Naquele ano havia se despedido
de várias pessoas e Cristiano tinha resolvido concluir
seu curso em outro estado, ele fazia geologia. Neste momento
joga a foto em cima da cama. A expressão da face
é de desapontamento. Sempre perdera seus amores pela
distância, mas este era diferente, descobrira agora
que perdera um grande amor, por simples falta de coragem
ou de atenção a seus sentimentos.
Porque nunca percebera que
sentia aquilo tudo por Luiz, aliás, quando descobrira
que o amara? Sabia que havia pouco tempo. Disso tinha certeza.
Várias dúvidas
passaram por sua cabeça e todas elas faziam com que
sua mente voltasse no tempo e vasculhasse todos os recônditos
que tivessem situações com Luiz e todas elas
eram lembranças felizes, lembra-se de toda a alegria
que sentia estando ao lado dele.
Um sorriso esboça-se
em sua face.
Ele realmente sentia-se completo
com Luiz a seu lado.
Corta para os pés de
Luiz que caminha pela rua. A câmara desfoca-se, pois,
neste momento ela vira em direção ao rosto
do rapaz e a luz de uma lâmpada de iluminação
da Rua da Bahia invade a tela.
A imagem estoura por segundos.
Logo após, a câmera vai seguindo o mesmo por
trás, focalizando em sua silhueta e a seguindo.
Luiz segue o mesmo caminho
que fazia na época da faculdade. Havia pouco tempo
que voltara de Pernambuco e antes de ir deixara muita coisa
pra trás. Inclusive a relação com Cristiano.
E da mesma forma fez em Pernambuco. Não via muito
sentido em ter voltado para Belo Horizonte, porém,
absorvia de cada esquina que atravessava toda a nostalgia
dos momentos que lhe fomentaram para o que era até
aquele momento.
E novamente seu companheiro
veio à mente. Onde Cristiano estaria agora?
Corte para o armário
de Cristiano.
Lendo o roteiro que achara
no armário junto de várias outras fotos que
tinha guardadas. Uma história que tinha feito a quatro
mãos com Luiz. Cristiano lia atentamente cada frase
como se fosse a primeira vez que as lia. Sentado em uma
das mesas do Lua Nova – bar do edifício “Maleta”,
situado no segundo andar. Ria de todas as lembranças
engraçadas e situações constrangedoras
que viveram por dividirem o mesmo teto, além de nutrir,
sem perceber, um sentimento maior do que o companheirismo.
Corta para o cruzamento, Rua
da Bahia com Augusto de lima.
Vem caminhando Luiz em direção
ao edifício “Maleta”, só a visão
do edifício impregnava sua mente de recordações.
Como sentira falta de Cristiano.
Queria poder encontrá-lo e dizer várias coisas
que não podia dizer por causa da distância.
Corta para a entrada do “Maleta”.
Sentado a mesa está
Cristiano entretido com o texto nas mãos.
Corta para uma senhora que
chega com rosas para oferecer ao rapaz. Uma senhora manca
que dizia ter nascido na Índia.
O foco da câmera muda.
Distancia-se.
Luiz caminha pelo corredor
de entrada e senta-se em uma mesa mais distante da de Cristiano,
na verdade,sua mesa fica atrás uns três metros
. Impossibilitando de terem um ângulo de visão
mais fácil para se identificarem.
Corta para a mesa de Luiz,
que com cara de tristeza e solidão, abre sua bolsa
e tira uma foto dele com Cristiano há muito anos
atrás. A saudade sufoca o jovem que pede ao garçom
uma garrafa de cerveja e um copo apenas com sinais de mão,
aqueles, que somente freqüentadores assíduos
fazem.
Logo a frente, a senhora se
afasta da mesa de Cristiano, ele resolve beber. Da mesma
forma pede sua cerveja.Sem saber que
um está na frente do outro, relembram vários
momentos que passaram juntos naquelas mesas de bar.
Corte para a mesa de Luiz que resolve, então, pagar
sua conta no balcão.
Caminhando por entre as mesas esbarra em uma senhora que
afastava sua cadeira da mesa para ir ao banheiro. Em conseqüência
disso esbarra na mesa de Cristiano, que assustado olha para
Luiz.
Foco da câmera pegando os dois de perfil a uma distância
de 1 metro.
Os dois olham-se embevecidos e assustados com tamanha coincidência.
Abraçam-se por um longo período de tempo sem
nada a dizer um ao outro. Cristiano pede pra Luiz sentar-se.
Ele aceita sem nada a dizer. A sensação era
de que se viam pela primeira vez naquele momento e o coração
dos dois parecia que iria sair pela boca.
A câmera começa a se afastar da mesa dos dois,
as outras mesas começam a aparecer no foco, antes
de começar a perder o foco os dois dão as
mãos em cima da mesa e bebem um copo de cerveja.
Fade out.
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Urbano
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Frederico Caiafa é
Estudante de Letras - Born in 80s. Daqueles curiosos
que não desistem de conhecer algo desconhecido. Tento
transcrever em cada linha aquilo que vivo ou crio, não
tenho muita certeza do limite nesta relação,
porém, me arrisco na corda bamba sem pensar duas
vezes.
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