OPPERAA
 
Baby Boom
     
 
 
     

Ele ouve seu mp3 player, um samba sofrido, daqueles que perderam algo que não sabem como recuperar. Lembra das risadas dele com seu amigo Cristiano, de como viveram praticamente casados, em um apartamento no centro.

Foto www.flickr.com/photos/marinapalmeira

 


31/03/08
Plano aberto para um corte de sequências

Plano aberto, foco inicia-se da janela. Mostrando claramente a rua em frente. Lentamente a imagem rotaciona-se em 180° entrando, assim, como um pássaro por dentro do quarto onde um homem de mais ou menos 30 anos, moreno, dorme nu solitariamente em uma cama de casal. Dorme de bruço. O quarto tem em suas paredes um papel meio antigo demais para a época, sendo uma das paredes toda pintada de vermelho escarlate. Seus lençóis são verdes.

No quarto, além da cama, existe um computador e fotos, lembranças de momentos importantes e, outros nem tanto, afinal deixava ali, pois sempre um amigo ia visitá-lo, por isso era importante deixar certas fotografias para agradar alguns deles.

O jovem se senta na cama de forma pensativa, até mesmo atormentada.

Por que não parava de sonhar com Cristiano? Olha para o teto tentando ver o céu. Não entendia porque tinha esse eterno costume que parecia em vários momentos ter nascido com ele. Acreditava em algo só não Sabia se tinha a mesma definição que toda a sociedade pregava. Nem era fanático, porém, sempre quando angustiado lembrava seu nome.

Olha sua nudez, seu sexo letárgico – no mesmo momento em que olha para o lado e observa a cama vazia.

Olhar perdido.

O relógio começa a tocar Geni e o Zepelin. Sim, Chico o único ser humano que expressa verdadeiramente o sentido do amor e suas dores, pensou.

Levanta-se e caminha meio tonto de sono em direção do banheiro.
Noite.

Corte para o rosto do rapaz, de igual idade e altura similar entre as janelas do vagão, cabelos balançam no a .

Do outro lado da cidade Luiz pega o metrô, o vagão sempre cheio no horário em que sai de sua faculdade. Ele tem um rosto pensativo. Não conseguia fixar o olhar em ponto algum.

Volta para o banheiro onde Cristiano termina de fazer sua barba. Lava o rosto.
Enfim, quebrando o clima de suspense, Cristiano lembra-se de Luiz mais uma vez e se pergunta quando irá vê-lo novamente.

A expressão de seu rosto novamente torna-se tesa, a dúvida e a aflição de saber deste novo sentimento que foi deflagrado, ou melhor, que foi descoberto.

A única luz acesa neste momento no apartamento de Cristiano é a do banheiro, no qual, ele se encontra atormentado por sua própria figura refletida naquela superfície prata.

Close no rosto de Cristiano voltando para nos olhos de Cristiano refletidos no espelho da janela do vagão do metrô.

Ele ouve seu mp3 player, um samba sofrido, daqueles que perderam algo que não sabem como recuperar. Lembra das risadas dele com seu amigo Cristiano, de como viveram praticamente casados, em um apartamento no centro. Passava pela estação central próxima a casa na qual morou por muito tempo onde, quando criança conheceu seu vizinho que lhe acompanhou até a divisão do apartamento mais tarde. Foi quando o pai de Cristiano o expulsara de casa por ter descoberto a opção sexual de seu filho. Eram como irmãos.

Flashback: Entra um senhor com aparecia de uns 50 anos e abre o armário do filho que se encontra na sala sentado em um sofá marrom. Buscando algo no armário de forma que aparentava que procurava algo que não, a sua expressão se alterava, e o rosto ficava mais avermelhado e enrugado. Até que sai do quarto com passos fortes e com uma revista na mão. Chegou à sala e se posicionou em frente ao filho e a televisão que, o mesmo assistia. Jogando a publicação no filho, Cristiano, que assustado a recolhe do chão, pois, seu segredo havia sido descoberto.

Neste momento há um corte na seqüencia.

Volta a imagem de Luis, primeiro os pés, depois uma imagem lenta chegando a seu rosto e terminando em seu sorriso.

Lembrou-se naquele instante de com o abriu a porta para o amigo e do desespero dele sem saber para onde ir. Lembrava também que a maldita revista que era dele e não de Cristiano.

Logo outra dúvida o abateu.

Porque mesmo não conversavam mais? Estava ao lado da fonte da praça da estação. 22h00min. Noite escura com nuvens muito pesadas deixam tudo com um tom cinza. A câmera pega o rosto de Cristiano de baixo para cima. Vê-se ao fundo o relógio e a estátua da liberdade em frente ao edifício.

Corta para o batente da porta do banheiro da casa de Cristiano.

Cristiano sai do banho enrolado na toalha e começa a se vestir. Em frente ao quadro de fotos vê uma foto familiar, mas que a muito não a reparava. Era uma foto de Luiz embaixo de outras que a tampavam.

Foco nas mãos de Cristiano que, lentamente leva a foto próxima a seu rosto. Quase pôde sentir o perfume do creme de cabelo que ele usava. Lembrou-se do tempo que os pais de Luiz faleceram e que ele foi sua única. Não percebeu na época, mas viu que vivia com Luiz como se fossem um casal. E notou que o sentimento que sentia por Luiz era maior que não percebera o quão grande era.

Sabia por que pensava nele, só não havia reparado há quanto tempo isso acontecia. O mais hilário era saber que sempre dera força ao amigo para se arranjar com alguém, porém, nunca houvera passado por sua cabeça a possibilidade deste alguém ser ele próprio. Dormira com várias pessoas pensando em Luiz e nas possibilidades que poderiam lhe aparecer, às vezes, pensava que alguns de seus “ficantes” poderiam agradá-lo. Isso fazia seu peito se encher.

Há quanto tempo não o via? Porque tudo terminou daquela forma?
Close no perfil.
Ator olha para um foco distante com olhar perdido.

Naquele ano havia se despedido de várias pessoas e Cristiano tinha resolvido concluir seu curso em outro estado, ele fazia geologia. Neste momento joga a foto em cima da cama. A expressão da face é de desapontamento. Sempre perdera seus amores pela distância, mas este era diferente, descobrira agora que perdera um grande amor, por simples falta de coragem ou de atenção a seus sentimentos.

Porque nunca percebera que sentia aquilo tudo por Luiz, aliás, quando descobrira que o amara? Sabia que havia pouco tempo. Disso tinha certeza.

Várias dúvidas passaram por sua cabeça e todas elas faziam com que sua mente voltasse no tempo e vasculhasse todos os recônditos que tivessem situações com Luiz e todas elas eram lembranças felizes, lembra-se de toda a alegria que sentia estando ao lado dele.

Um sorriso esboça-se em sua face.

Ele realmente sentia-se completo com Luiz a seu lado.

Corta para os pés de Luiz que caminha pela rua. A câmara desfoca-se, pois, neste momento ela vira em direção ao rosto do rapaz e a luz de uma lâmpada de iluminação da Rua da Bahia invade a tela.
A imagem estoura por segundos.
Logo após, a câmera vai seguindo o mesmo por trás, focalizando em sua silhueta e a seguindo.

Luiz segue o mesmo caminho que fazia na época da faculdade. Havia pouco tempo que voltara de Pernambuco e antes de ir deixara muita coisa pra trás. Inclusive a relação com Cristiano. E da mesma forma fez em Pernambuco. Não via muito sentido em ter voltado para Belo Horizonte, porém, absorvia de cada esquina que atravessava toda a nostalgia dos momentos que lhe fomentaram para o que era até aquele momento.

E novamente seu companheiro veio à mente. Onde Cristiano estaria agora?

Corte para o armário de Cristiano.

Lendo o roteiro que achara no armário junto de várias outras fotos que tinha guardadas. Uma história que tinha feito a quatro mãos com Luiz. Cristiano lia atentamente cada frase como se fosse a primeira vez que as lia. Sentado em uma das mesas do Lua Nova – bar do edifício “Maleta”, situado no segundo andar. Ria de todas as lembranças engraçadas e situações constrangedoras que viveram por dividirem o mesmo teto, além de nutrir, sem perceber, um sentimento maior do que o companheirismo.

Corta para o cruzamento, Rua da Bahia com Augusto de lima.

Vem caminhando Luiz em direção ao edifício “Maleta”, só a visão do edifício impregnava sua mente de recordações. Como sentira falta de Cristiano.
Queria poder encontrá-lo e dizer várias coisas que não podia dizer por causa da distância.

Corta para a entrada do “Maleta”.

Sentado a mesa está Cristiano entretido com o texto nas mãos.

Corta para uma senhora que chega com rosas para oferecer ao rapaz. Uma senhora manca que dizia ter nascido na Índia.

O foco da câmera muda. Distancia-se.

Luiz caminha pelo corredor de entrada e senta-se em uma mesa mais distante da de Cristiano, na verdade,sua mesa fica atrás uns três metros . Impossibilitando de terem um ângulo de visão mais fácil para se identificarem.

Corta para a mesa de Luiz, que com cara de tristeza e solidão, abre sua bolsa e tira uma foto dele com Cristiano há muito anos atrás. A saudade sufoca o jovem que pede ao garçom uma garrafa de cerveja e um copo apenas com sinais de mão, aqueles, que somente freqüentadores assíduos fazem.

Logo a frente, a senhora se afasta da mesa de Cristiano, ele resolve beber. Da mesma forma pede sua cerveja.Sem saber que um está na frente do outro, relembram vários momentos que passaram juntos naquelas mesas de bar.

Corte para a mesa de Luiz que resolve, então, pagar sua conta no balcão.

Caminhando por entre as mesas esbarra em uma senhora que afastava sua cadeira da mesa para ir ao banheiro. Em conseqüência disso esbarra na mesa de Cristiano, que assustado olha para Luiz.

Foco da câmera pegando os dois de perfil a uma distância de 1 metro.

Os dois olham-se embevecidos e assustados com tamanha coincidência. Abraçam-se por um longo período de tempo sem nada a dizer um ao outro. Cristiano pede pra Luiz sentar-se. Ele aceita sem nada a dizer. A sensação era de que se viam pela primeira vez naquele momento e o coração dos dois parecia que iria sair pela boca.

A câmera começa a se afastar da mesa dos dois, as outras mesas começam a aparecer no foco, antes de começar a perder o foco os dois dão as mãos em cima da mesa e bebem um copo de cerveja.

Fade out.


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Frederico Caiafa é Estudante de Letras - Born in 80’s. Daqueles curiosos que não desistem de conhecer algo desconhecido. Tento transcrever em cada linha aquilo que vivo ou crio, não tenho muita certeza do limite nesta relação, porém, me arrisco na corda bamba sem pensar duas vezes.


   
 

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