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Foram dez anos se prostituindo para conseguir alcançar seus objetivos. Mirela, por muitas vezes, fora realmente confundida com uma mulher. Nascera em um corpo que não condizia com sua mente. Uma mulher presa a um corpo masculino.

 


27/05/08
No espelho quebrado do muquifo onde morava Mirela


Era um destes hotéis fodidos da região que, um dia, foi um lugar boêmio de Belo Horizonte. Eram dez horas da manhã e não agüentava mais ficar na cama. Fedia muito!

Era um cheiro nauseabundo que incomodava Mirela, que não conseguia tirar da cabeça o que a levara viver aquela vida.

O suor do corpo lembrava os idiotas com quem havia dormido na noite anterior. Todos faziam hora para sair com ela, mas quando a conheciam na cama não ficavam muito tempo sem procurá-la. Neste momento ela os tinha nas mãos!

Era isso que a mantinha na profissão.

Levantou! Nua em frente ao espelho quebrado, que era o único objeto de decoração daquele quarto. Não gostava daquele lugar, mas imaginava-se observando pelo espelho como gostaria que fosse e o que faria se tivesse muito dinheiro.

E era por ele que estava vivendo da forma que vivia. Já havia apanhado, sido esfaqueada e até um tiro um filho da puta tinha tentado lhe acertar. Porém, essa situação nada a influenciava.

Vestiu sua blusa e ajeitou a calcinha de forma que poucos pudessem notá-la. Vestiu sua calça e saiu. Era neste dia que muitas coisas iriam mudar. Estava preparada para ser quem era desde o dia que nasceu. Achava ela que, desta forma, estaria feliz consigo mesma. Seria melhor e as pessoas a respeitariam mais. Será?

Era esse tipo de pergunta que permeava sua mente que estava desnorteada por vários motivos. Já planejara tudo. E algo que nunca havia saído de sua cabeça voltou a perturbá-la. A velha face de seu pai, cheia de sulcos e marcas profundas que pareciam cicatrizes. Era um policial reformado que passava mais tempo com garotas de programa que dentro de sua casa.

Sempre foi o braço direito de sua mãe e foi educada de forma muito diferente das outras crianças. O que sempre foi motivo de brigas dentro de casa. Quando tinha 15 anos sua mãe morreu e a partir desta época sua vida foi mais verdadeira. Seu pai ausente tentou, hipocritamente, manter a casa e assumir o papel de provedor, o que para Mirela foi ridículo e inútil.

Suas asas se abriram neste período de sua vida, pois, nesta época, Marcos tornou-se Mirela. E por isso seu pai nunca aceitou a presença do filho dentro de casa. Então, mandou-o embora para que nunca mais voltasse. E assim, ela começou sua jornada para chegar cada vez mais perto daquilo que sempre achou que fosse seu destino.

Foram dez anos se prostituindo para conseguir alcançar seus objetivos. Mirela, por muitas vezes, fora realmente confundida com uma mulher. Nascera em um corpo que não condizia com sua mente. Uma mulher presa a um corpo masculino.

Neste quarto, apenas sua cama era importante, pois nela viveu grandes amores, platonicamente, claro, mas amou vários homens naquela cama como se fossem seus heróis ou protetores. Sempre teve os melhores sob seu lençol.

No dia de sua última cirurgia recebera uma ligação da vizinha de seu pai. Ela era a responsável por dar notícias do velho que, apesar de tudo, era seu pai. Ela, então, ficou paralisada por minutos que mais pareceram séculos.

Seu pai havia bebido demais e entrara numa briga, dessas que só bêbado para entrar. Foi levado às presas para o hospital. Tinha 69 anos. Nesse dia, sem pensar duas, vezes foi em busca de seu pai que estava internado em um hospital público de pronto atendimento. Lá foi procurá-lo e ele ainda estava inconsciente e irreconhecível. Emagrecera vários quilos e suas marcas de expressão ganharam força no decorrer dos anos.

Assim que chegou a enfermeira perguntou se ela era filha do senhor que ali se encontrava. Ela confirmou. Logo depois a enfermeira pediu para que ela lhe tirasse uma dúvida. Mirela assentiu com tranqüilidade. Então a enfermeira disse:
- Você tem um irmão chamado Marcos?
- Por quê? Perguntou Mirela com muita tenacidade.
-Porque seu pai ficou pedindo perdão a seu irmão desde o momento que chegou aqui.

Uma lágrima dos olhos de Mirela escapuliu sorrateira e lentamente. Ela enxugou-a e deu um beijo no pai. Levantou e foi embora. Passou no médico que havia marcado sua cirurgia e cancelou. Passou em casa e trocou de roupa. Prendeu seu cabelo que era bem longo e foi ao hospital onde seu pai estava internado. Assim que entrou no quarto seu pai estava acordando e logo que o viu pôs-se a chorar.

- Saudade. Desculpa por tudo meu filho. Nunca fui um bom pai para você, afirmou isso com a voz fraca e trêmula. - Você está tão diferente!
Mirela, ou melhor, Marcos consentiu com um movimento da cabeça.
- Volta lá pra casa - disse seu pai choramingando como uma criança. - Você faz muita falta lá, afirmou.

- Mas eu sou uma mulher hoje em dia - disse Mirela desesperada.
Sem pestanejar seu pai retruca:
- Educada por sua mãe qualquer coisa que fosse seria digna por si só.
Ambos abriram sorrisos grandes e se abraçaram entre lágrimas.


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Frederico Caiafa é Estudante de Letras - Born in 80’s. Daqueles curiosos que não desistem de conhecer algo desconhecido. Tento transcrever em cada linha aquilo que vivo ou crio, não tenho muita certeza do limite nesta relação, porém, me arrisco na corda bamba sem pensar duas vezes.


   
 

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