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Baby Boom
     
 
 
     

Já fora oferecido por parentes a outras pessoas, homens cheios de posse e pedófilos, que queriam garotinhos para esquentar seus leitos. Tornou-se uma pessoa sofrida, sem preconceitos, sem medo. Não era gay, não era heterossexual, não era. Esquivava-se de afetos e das pessoas.

Foto: Alexandre Severo (Flickr)

 

16/07/08
Cicatrizes sorridentes

Desde novo foi criado em um ambiente muito conturbado: o pai era um andante descabido, e mãe uma lavadeira de roupas desamparada. Nunca tiveram conforto algum e por várias vezes passaram fome. Seus irmãos eram perdidos. O mais velho tentava a sorte com mulheres ricas e nunca foi feliz em suas investidas. A irmã era mãe de duas crianças e o marido a violentava sem se importar com a presença dos filhos.

Ele, largado, deixado de lado e esquecido. Comia migalhas. Quando criança fora abusado várias vezes por todos da família que queriam desafogar mágoas, complexos e desafetos. Não importava o grau de proximidade. Era o lixo onde se despejava os sofrimentos e desilusões. No início não entendia o que acontecia. No envelhecer, distante da inocência e perto de rugas e traços rígidos na pele, já não sabia mais o que era moralmente certo. Os excessos da família acabaram por fazer parte da sua estadia dentro de casa. Um sorriso alargava a face quando os ventos embalavam um brinquedo comum: a pipa de papel. A vida era lembranças fúnebres e felizes. No vilarejo, sua história não era velada. Já fora oferecido por parentes a outras pessoas, homens cheios de posse e pedófilos, que queriam garotinhos para esquentar seus leitos. Tornou-se uma pessoa sofrida, sem preconceitos, sem medo. Não era gay, não era heterossexual, não era. Esquivava-se de afetos e das pessoas.

Com 15 anos seus interesses mudaram. Acostumado com a exploração do seu corpo, usava-o para conseguir independência. Atrás do vestiário, uma nota de 10 reais era o inicio da nova fase. Decidiu juntar tudo que conseguisse para sair da cidade. A família, cada vez mais desorganizada, desmantelava-se em abismos. O pai sumira. A mãe trocava água por álcool, e comida por entorpecentes. Seus. Na praça da cidade, um senhor de meia idade o convidou para uma conversa.

- Não tem medo de conversar com estranhos? Perguntou.
- Não. Se fosse alguma ameaça, a única coisa de valor que tenho é minha vida e se me matasse, nenhum mal me faria, porque entendo o sentido da morte. Respondeu.
- Então o que fazes aqui sozinho? Indaga o velho.
- Não tenho ninguém que se preocupe comigo. Ríspida réplica.
- Como pode alguém abandonar um garoto tão bonito? Se estas sozinho no mundo, podes viver comigo onde moro. Se fores livre não tem o que perder. Proposta direta
- Não tenho como pagar. Afirmação convicta.
- Arrumo-te um lugar para ficar. Aguardando resposta.

O menino, ressabiado, tomado de dúvidas contra aquela figura envolvida num carro inalcançável, deu às costas ao velho e procurou abrigo debaixo de um Jacarandá.

O carro ficou parado no mesmo lugar à espera de alguma reação do menino. Sentado, veio-lhe à mente, toda sua vida naquela cidade. Sem pestanejar levantou e foi em direção ao velho que precipitava em arrancar o carro. Bateu no vidro e fez duas exigências. Calados, os dois foram até a capital.

E foi lá que o encontrei, na estação do metrô com o dinheiro suado nas mãos. No arranque do vagão, percebi sua presença e sua beleza, coberta por cicatrizes escondidas atrás de um sorriso que ele aprendeu a imitar.


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Frederico Caiafa é Estudante de Letras - Born in 80’s. Daqueles curiosos que não desistem de conhecer algo desconhecido. Tento transcrever em cada linha aquilo que vivo ou crio, não tenho muita certeza do limite nesta relação, porém, me arrisco na corda bamba sem pensar duas vezes.


   
 

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