OPPERAA
 
Baby Boom
     
 
 
     
Eu aguardei ansiosamente pelo momento daquele encontro e soube esperar, resignada com a condição de última da fila – oh sina de ser a maior da turma desde criança. Eu só não imaginava que, quando finalmente, chegasse minha vez, Papai Noel estivesse todo amarrotado, suado, nervoso, dando beliscão – provavelmente aflito para ir ao banheiro, fumar, ou qualquer outra atividade, nada lúdica.
 

24/12/07
A queda de um mito

- É, Fernanda, ele não existe.

Foi assim, com essa frase fria, áspera e deveras desaforada que duas primas minhas me contaram a verdade. Sem medir as palavras e as conseqüências me revelaram, numa noite chuvosa, típica das que precedem o natal, que o Papai Noel era uma farsa.

Não chorei, não questionei. Apenas quis ficar sozinha, como faço até hoje quando me sinto angustiada. Sim, não é exagero dizer que fiquei angustiada. Fiquei, e muito. Eu que, até aquele momento havia sentindo algo semelhante apenas uma vez – na ocasião em que descobri que a Vovó Mafalda era homem – via mais um mito desmoronar.

É verdade que, desde que o bom velhinho havia visitado o Jardim de Infância onde eu estudava, no ano anterior, nosso relacionamento não estava lá, essas mil maravilhas. Eu aguardei ansiosamente pelo momento daquele encontro e soube esperar, resignada com a condição de última da fila – oh sina de ser a maior da turma desde criança. Eu só não imaginava que, quando finalmente, chegasse minha vez, Papai Noel estivesse todo amarrotado, suado, nervoso, dando beliscão – provavelmente aflito para ir ao banheiro, fumar, ou qualquer outra atividade, nada lúdica. Nem que eu receberia uma lembrancinha toda campenga, faltando o lacinho, e sem a possibilidade de troca, afinal era a última do saco. E eu que achava que ver Papai Noel de saco cheio era coisa boa, voltei para a casa chateada. Mas meus pais – sempre eles – me fizeram compreender que a culpa não era dele. E sim, das tradicionais filas brasileiras que não poupam problemas nem para velhinhos vindos de outras dimensões.

É possível que seu navegador não suporte a exibição desta imagem.No fim das contas, não foi nada que abalasse por completo o encanto por aquela figura que havia me presenteado com a Boneca da Xuxa! Só eu tinha a Boneca da Xuxa em todo o Jardim! Nem a Mariana tinha! Ah, ele devia gostar mesmo de mim. E o fogãozinho que acendia de verdade? Todas as minhas vizinhas queriam um daqueles. E eu tinha dois! Ganhei no mesmo dia, um da minha madrinha, outro do Papai Noel. Isso eu não entendi. Se o bom velhinho tudo pode, porque ele não adivinhou que a madrinha me daria esse brinquedo e trocou de presente? Mas tudo bem, de certo estava muito ocupado preparando suas renas para a longa jornada natalina. Também não entendi como ele conseguiu entrar pela janela do meu quarto com a minha bicicleta rosa. Mas conseguiu, ela estava lá, atrás da porta, em cima do meu sapatinho. Vai ver ele também é usuário de pílulas de nanicolina, tal como o Chapolin.

Fiquei um bom tempo assim, imersa em minhas lembranças que se misturavam com a frase cortante das primas iconoclastas, "Ele não existe", e com as revelações que vieram logo em seguida: "É o seu pai quem compra seus presentes", "Quem guarda a cartinha que você deixa na janela é a Tia Léia. Não tem duende nenhum que vem buscar".

Meus devaneios foram interrompidos com a repentina entrada de meus pais em meu quarto. Me vendo cabisbaixa, no canto da cama, questionaram: "O quê aconteceu, Nanda?". "Aconteceu que eu descobri que eu estou sendo enganada há CINCO anos. Tem CINCO anos que eu mando cartinhas para aquele velho babão e agora eu soube que ele não existe!", mas isso eu não disse, eu só pensei. Pensei também que, talvez, a descoberta da verdade implicasse, automaticamente, no fim das regalias natalinas, e não querendo arriscar o salão de beleza da Barbie que eu havia pedido para aquele ano, respondi displicentemente. "Nada, não. Estou só pensando se o Papai Noel já recebeu minha cartinha". É possível que seu navegador não suporte a exibição desta imagem.


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Fernanda é mais uma daquelas que fez faculdade de jornalismo porque gosta de escrever. Então escreve. Muitas vezes, para dizer o que pensa. Menos vezes do que gostaria, por dinheiro. Suas palavras estão por aí. Mensalmente na Revista da Leitura, quinzenalmente aqui no site. A qualquer momento, em seu blog (www.blogdaferdi.blogspot.com).
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