
20/08/07
Literatura para uma vida melhor
Acho que todo mundo tem uma
listinha de livros que deveria ler mas, por algum motivo,
ainda não o fez. Aquele clássico, aquele best-seller,
aquele que todo mundo leu, aquele de que todo mundo fala
mal. A minha listinha, confesso, é grande
embora eu me dedique à literatura com afinco desde
que, aos sete anos, fiz meu début como leitora, com
um volume infantil de nome A Bomba Boa.
Incomodada com essas minhas
lacunas literárias coisa vista por alguns
quase que como falha de caráter
resolvi ir atrás de alguns livrinhos que passaram
batidos por mim. Coincidentemente, iniciei minha saga
pelos livros perdidos lendo dois que me marcaram de
maneira muito semelhante. Os escolhi de modo aleatório
e, quando dei por mim, percebi que havia algo que os ligava
intimamente.
O primeiro foi Feliz
Ano Velho de Marcelo Rubens Paiva eu avisei
que era quase falha de caráter - lançado
em 1983. A publicação, que se tornou hit nos
anos 80, virou peça de teatro, filme e foi traduzida
mundo afora, é uma comovente narrativa do autor sobre
sua experiência de, aos vinte anos, sofrer um acidente
banal e se tornar tetraplégico.
Já o segundo livro,
ao qual me refiro, não se passa no Brasil, nem tem
como pano de fundo a ditadura militar. A história
se desenrola nos Países Baixos, durante a segunda
guerra mundial. O narrador- personagem não é
um rapaz de vinte anos, mas uma menina, de treze. Ela não
se encontra presa a uma cama de hospital sem seus movimentos,
se encontra presa, sim, mas em um esconderijo junto com
sua família. Sua enfermidade não
é ser tetraplégica, é ser judia. Ela
é Anne Frank, cujas anotações feitas
durante os mais de dois anos de confinamento se tornaram
o livro O Diário de Uma Jovem, publicado
em 1947 dois anos após Anne ter morrido em
um campo de concentração.
No que diz respeito ao contexto
e a história de vida, existe um abismo separando
Marcelo de Anne. Mas é na postura que eles adotam
diante de suas desventuras que os dois me tocaram profundamente
e de modo parecido. Antes de tudo, há de se observar
que são dois relatos absolutamente despretensiosos
e, por isso, leves e honestos. Anne e Marcelo não
têm a menor intenção de julgar, formar
opinião ou passar lição de moral. Apenas
contam, assim, como quem não quer nada, como é
viver cheios de limitações quando a
única distração que resta é
o exercício de observar o outro e o mundo. E eles
fazem isso lindamente, e o que é mais espantoso,
cheios de bom humor. Tanto um quanto outro me arrancaram
risadas em diversos momentos. E é justamente desse
tom otimista, de quem acredita que a vida vale a pena, que
vem o tapa na cara, o soco no estômago (algo que me
lembrou também outro livro, que li na adolescência,
Depois Daquela Viagem, de Valéria Piazza
Polizzi, HIV positivo).
Impossível não
parar para refletir sobre a própria vida depois de
conviver com essas duas figuras, sobretudo,
os reclamões de plantão entre os quais,
sem o menor orgulho, me incluo. Anne e Marcelo valem mais
que qualquer livro de auto-ajuda.
Leia também:
06/08/07
-
Se Clark Kent era repórter...
_________________________________________________
Fernanda é jornalista,
pós-graduanda em Gestão em Comunicação
Corporativa. Trabalha como assessora de imprensa e ainda
não sabe ao certo o que quer fazer da vida. Certeza,
só uma: gosta desse negócio de escrever. "Tem
que ter porquê?".E-mail:
ferdipinho@gmail.com
|