
06/08/07
Se
Clark Kent era repórter...
Eu
quis ser jornalista por gostar de escrever e apenas por
isso. Nenhum caráter ideológico na minha escolha.
Diferentemente do meu amigo Joaquim. Ok, eu não tenho
nenhum amigo chamado Joaquim, mas vamos chamá-lo
assim para preservar sua imagem de jornalista sério
que ele é ou ao menos tenta ser hoje.
Joaquim veio do interior de Minas para estudar jornalismo
em Belo Horizonte. O motivo? Bom, porque jornalistas ajudam
pessoas. Ao menos essa era a visão que ele tinha
dos jornalistas em sua longínqua terra natal. Já
em BH, e já resignado com a realidade que não
é assim tão lúdica, Joaquim sempre
se lembrava, naquelas rodas de jornalistas, que, em remota
infância, quando via uma matéria sobre alguma
desgraça qualquer, ele acreditava piamente que após
o solene Boa Noite o jornalista, encarregado
de contar o infortúnio, ajudava as vítimas
da tragédia em questão.
A parte os exageros da mente imaginativa do meu amigo, muito
daquela ilusão que ele criava parece refletir algo
do imaginário popular com relação à
figura dos jornalistas. Os repórteres de redação
que o diga. Quem, estando nessa condição,
nunca ouviu uma tia sugerir em tom imperativo: Coloca
lá no seu jornal que a minha rua tá
cheia de buraco? Ou ainda: Faz um reportagem
sobre o barulho que meus vizinhos fazem à noite.
Às favas critérios de noticiabilidade. Dane-se
se você cobre gastronomia. Você trabalha no
jornal e, de certo, deve conhecer todo mundo que aparece
ali. Do Presidente do Brasil ao técnico da seleção
brasileira. Do líder terrorista ao líder da
quadrilha que assalta bancos. E se você é assim,
tão íntimo de todo mundo, é muito mais
fácil para você denunciar, resolver problemas,
colocar o dedo na ferida, conclamar a população
para uma revolução e, enfim, fazer a tão
almejada justiça.
Pois se você não faz nada disso, meu amigo,
aí a coisa muda de figura. E o velho chavão
de que é culpa do governo muda
numa troca de canal, ou num passar de páginas
para: é culpa da mídia. Ninguém
vai viajar no próximo feriado devido a atraso e cancelamento
de vôos? A Infraero, a Anac, o Ministério da
Defesa, os controladores de vôo, ninguém tem
nada a ver com isso. A culpa é da mídia, que
fica apavorando a população. O preço
da gasolina vai aumentar? Maldita hora que eu fui ler esse
jornal funesto e estragar meu fim de semana. Reuniões
de pauta? Foi-se o tempo. O que repórteres e editores
fazem é conluio para bolar qual será o próximo
pânico a ser lançado.
E assim, a imagem do pobre em todos os sentidos
jornalista vai sendo arquitetada deliberadamente. Não
importa se para o bem ou para o mal. O importante é
impregnar-lhe uma aura de ser que tem o poder de resolver
tudo mas que, quase sempre, opta por estragar tudo. Só
não se leva em conta o fato de ele o jornalista,
pessoa física ser um cidadão, a mercê
de um punhado de instituições, como qualquer
outro.
Em suma, ser jornalista é se equilibrar na linha
tênue entre o heroísmo e a vilania.
_________________________________________________
Fernanda é jornalista,
pós-graduanda em Gestão em Comunicação
Corporativa. Trabalha como assessora de imprensa e ainda
não sabe ao certo o que quer fazer da vida. Certeza,
só uma: gosta desse negócio de escrever. "Tem
que ter porquê?".E-mail:
ferdipinho@gmail.com
|