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Do que ela sempre teve orgulho mesmo, era da parte boa. E é essa que vale. Conheceu vários lugares. Reencontrou a família. Encheu de amor os sete filhos remanescentes. Fez bonecas de pano para as netas (dez), contou histórias para os netos (outros dez), ninou os bisnetos (por enquanto, nove).
 

01/10/07
Dona Branca e seu tesouro

Eu falaria sobre um outro assunto, mas mudei de idéia ao receber um release informando que hoje, dia 1º de outubro, é o Dia Internacional do Idoso. Bom tema, pensei. Eu poderia falar sobre como é difícil ser idoso no Brasil (e cada vez que penso nisso sou tomada de indignação pela lógica medíocre dos planos de saúde, que ficam mais caros com a idade. Ou seja, o idoso, que merecia ser premiado por conseguir ser um sobrevivente nesse país, é punido por viver mais). Mas deixo isso para quem entende de políticas públicas, não posso dizer que este seja meu caso. Vou me ater a falar de Dona Branca.

Foi assim que ela ficou conhecida, Branca. Por ter nascido bem mais clara que sua irmã gêmea, em 1930. Mas seu nome mesmo é Maria e, sendo assim, não fugiu à regra de ter a estranha mania de ter fé na vida. Não perdeu a fé quando, aos 15 anos, foi tirada de sua família, no interior da Bahia, para se casar com um desconhecido do interior de Minas. Nem quando, dois anos depois, viu sua primeira filha morrer dormindo, no seu colo. Podia ter parado tudo por aí – tem gente que desiste por muito menos – mas não. Teve outro filho, e outro, e outra. Nove, no total. Perambulou com sua prole por várias cidades do Brasil, acompanhando o marido, que era sempre transferido de emprego. Mas não seria diante das dificuldades de adaptação e financeiras que ela perderia a fé. Tampouco dos problemas de saúde que, algumas vezes, a levaram a um bloco de cirurgia. Maria, ou Branca, não perdeu a fé nem quando a vida te fez sentir novamente a maior dor pela qual um ser humano pode passar. Em setembro de 1971, perdeu um filho, de 13 anos, atropelado. Apenas três meses depois, perdeu outro, de 15, vítima de um acidente de carro. E, pasmem, não perdeu a fé na vida, nem o sorriso no rosto. Perdeu o marido, é verdade, ele a abandonou.

Assim, Dona Branca contaria sua história, caso fosse uma pessoa do tipo amargurada. Mas não é. Essas passagens, ela revelava aos poucos para quem se aproximava. Do que ela sempre teve orgulho mesmo, era da parte boa. E é essa que vale. Conheceu vários lugares. Reencontrou a família. Encheu de amor os sete filhos remanescentes. Fez bonecas de pano para as netas (dez), contou histórias para os netos (outros dez), ninou os bisnetos (por enquanto, nove).

Hoje, vê sua casa sempre lotada. De gente e de amor, do jeito que ela ensinou. Caminha sem parar por entre todos. Brinca com um, beija outro. Embora os nomes, ela já não lembre o de ninguém. O destino – tão danadinho – quis que Dona Branca ainda passasse por mais essa: Mal de Alzheimer. Tudo bem, que lhe levem a memória. Mas lhe deixem a fé. Esta, mais seu amor inabalável, a faz caminhar com serenidade, por mais essa artimanha da vida.

Cícero, o filósofo romano, disse certa vez que "não há ancião que se esqueça onde escondeu seu tesouro". E ele tinha razão, ao menos, Dona Branca, minha querida avó, deixa isso claro cada vez que nos abraça e diz “eu amo”, umas das pouquíssimas palavras das quais ela não se esqueceu.


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Fernanda é jornalista, pós-graduanda em Gestão em Comunicação Corporativa. Trabalha como assessora de imprensa e ainda não sabe ao certo o que quer fazer da vida. Certeza, só uma: gosta desse negócio de escrever. "Tem que ter porquê?".
E-mail: ferdipinho@gmail.com



   
 

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