
11/03/08
Sejamos recíprocos!
Ou: deixemos de puxar saco dos estrangeiros para puxar nosso próprio saco
Não tem jeito. A gente pragueja contra o governo, as filas, a desordem, o trânsito engarrafado. A gente se tranca dentro de casa por medo da violência. A gente não confia na nossa polícia, muito menos nos nossos políticos. A gente vai às urnas com a mesma disposição de quem está indo para a guilhotina. A gente se recusa a lavar pratos aqui, mas aceita lavar pratos europeus. A gente diz que vai embora para nunca mais voltar. E, às vezes, a gente vai mesmo. Mas experimente você, estrangeiro, dizer na nossa cara que a Amazônia não é nossa. Experimente confundir nossa capital com Buenos Aires. Experimente produzir um filmezinho trash no qual turistas americanos são estrangulados em nossas praias. Experimente barrar brasileiros, imigração espanhola!
A gente fica doído, e fica mesmo. O negócio aqui é igual família. A gente pode falar meter o pau. Mas só a gente. Não venham meter colheres espanholas, americanas ou zimbabuanas em nossas brigas, que a gente mostra porque um dia fomos chamados de brava gente.
É por isso que é quase impossível conter um “bem feito!” que sai como um suspiro aliviado de nossas bocas quando vemos nos jornais que a Polícia Federal impediu a entrada de oito turistas espanhóis ao Brasil. A medida adotada pelo Itamaraty, como princípio de “reciprocidade”, foi tomada dias depois de brasileiros terem sidos deportados pela imigração espanhola. Nosso “bem feito!”, no entanto, nada tem a ver com aprovação às atitudes de nossos governantes, muito menos com um suposto incentivo a uma “queda-de-braço” entre os dois países.
Nosso “bem feito” expressa uma indignação por uma situação com raízes históricas que parece se estender por tempo indeterminado: os maus tratos que os brasileiros sofrem no exterior. O buraco é bem mais embaixo, é verdade. Mas nem precisamos pegar os casos de deportações e prisões de brasileiros por alfândegas mundo afora. No Brasil não acontece dessas coisas mas, admitimos envergonhados, vira e mexe turistas são assaltados e até mesmo assassinados em terras cariocas, por exemplo. Digamos, grosseiramente, que, então, estamos “quites”.
A gente se indigna mesmo, por conta do que a gente chama de hospitalidade. Aquela mesma que nos enche de encantos quando vemos um estrangeiro e nos faz os receber de braços abertos. Somos, afinal, como muito bem definiu o antropólogo Sérgio Buarque de Hollanda, o “homem cordial” – cordial, do latim cordis, significa coração. O que significa dizer, somos um povo movido pela emoção e não pela razão, um povo que dispensa formalidades. Ou, em outras palavras, temos o famoso jeitinho brasileiro, que esquece perdoa e acolhe bem. Seja lá quem for.
Enquanto isso...na fronteira entre México e Estados Unidos, na cozinha de algum restaurante irlandês, no aeroporto Heathrow de Londres, algum brasileiro pode estar sendo absolutamente humilhado. E isso só acontece, por que nos deixamos humilhar.
A solução, creio eu, não está em convocar a nação para espezinhar gringos e deportar europeus a torto e a direito. Muito menos tentar combater a violência no Rio porque isso mancha a imagem do Brasil lá fora. O caminho está em sermos cordiais com nós mesmos, dispensar ao nosso vizinho o mesmo tratamento afetuoso que daríamos a um inglês desconhecido. E combater a violência, sim, mas porque nós, brasileiros, precisamos dessa chance de sobrevivência. Aqui dentro, de preferência.
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Fernanda é mais uma
daquelas que fez faculdade de jornalismo porque gosta de
escrever. Então escreve. Muitas vezes, para dizer
o que pensa. Menos vezes do que gostaria, por dinheiro.
Suas palavras estão por aí. Mensalmente na
Revista da Leitura, quinzenalmente aqui no site. A qualquer
momento, em seu blog (www.blogdaferdi.blogspot.com).
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