
07/01/08
O primeiro do ano
Tenho vaga lembrança
da primeira vez em que fui para a escola. Eu tinha dois
anos, usava uma saia plissada combinando com a conga vermelha
e cabelo partido de lado. Fiquei meia hora na escola, chorei
de saudades da minha mãe ou de medo da convivência
num ambiente estranho, sei lá e fui embora.
Foi na mesma época que ganhei meu primeiro vinil.
Um tio gozador me deu o LP de um cantor alagoano chamado
Sandro Becker (aquele da Julieta-ta-ta), que tinha a nada
infantil figura de uma bunda estampada na capa.
Já na primeira vez
em que fui ao cinema, sim, me levaram para ver coisa
de criança: Super Xuxa Contra o Baixo
Astral, foi a película escolhida para meu début
cinematográfico. Aliás, não sei o que
teria sido da minha vida cultural, não fosse a Xuxa.
Também era um filme dela o primeiro que assisti no
vídeo-cassete da minha casa: Lua de Cristal.
E também foi da rainha dos baixinhos o primeiro show
que vi. Uma apresentação dela e de suas paquitas,
num palquinho mixuruca montado no Campo do América,
em algum ano da década de 80.
Posso me lembrar de cada figura
que ilustrava o primeiro livrinho que li. Chamava-se A
Bomba Boa e tinha um desfecho emocionante, no qual
a bomba explodia e espalhava coraçãozinhos
pelo ar. Foi aí que eu comecei a escrever também.
Comecei escrevendo cartas e, a primeira delas, provavelmente
por culpa das forças que regem o tempo e o espaço,
nunca foi entregue ao destinatário: o querido planeta
Júpiter.
Ao primeiro cachorro que tive
dei o paradoxal porém criativo nome
de Thunder Cat. O bicho enlouqueceu talvez por crise
de identidade e teve de ser sacrificado. Tive outras
primeiras-últimas vezes. Como a primeira vez em que
viajei de avião sozinha. Decidi que eu nunca mais
faria aquilo, uma vez que não encontrei nenhum motivo
bom o bastante que me convencesse a sentir tanto medo. Já
a primeira vez em que fui vítima da famigerada dor
de cotovelo, não foi a última. Lamentavelmente.
O primeiro sutiã a
gente nunca esquece. A frase ficou famosa e, mesmo o meu
não sendo um Valisère eu não me esqueci.
Era difícil de abotoar e eu tive que pedir ajuda
ao meu pai, já que minha mãe não estava
em casa. Quase tão patético (e ingênuo)
quanto dar o primeiro beijo e depois ir brincar de Barbie.
A cada uma dessas primeiras
vezes, e das tantas outras, sensações parecidas.
O medo do novo, a ansiedade, a expectativa. Ou trocando
em miúdos, a sensação de estar vivendo.
É por isso que, em meu primeiro texto do ano, trago
aos leitores dO Binóculo meus sinceros desejos
de que, a cada dia do ano de 2008, possamos experimentar
qualquer coisa que seja, pela primeira vez em nossas vidas.
Fazer algo diferente ou, simplesmente, como sugere o superfamoso
vídeo do Filtro Solar, fazer algo que
nos assuste. Sem querer descambar para a auto-ajuda, nem
nada, digo de coração: não é
pelos outros, é nós mesmos.
Finalizo citando uma cena
do filme A Sociedade dos Poetas Mortos
um dos meus preferidos, desde que a Xuxa me apresentou ao
cinema. Nela, um dos garotos protagonistas declara seu amor
a uma menina que não lhe dava muita importância.
Ao ser questionado pelos amigos sobre o que a menina havia
dito, ele responde, sem sinais de afetação:
nada. E depois explica que o importante mesmo
era que ele tinha feito.
É por aí.
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2007
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Fernanda é mais uma
daquelas que fez faculdade de jornalismo porque gosta de
escrever. Então escreve. Muitas vezes, para dizer
o que pensa. Menos vezes do que gostaria, por dinheiro.
Suas palavras estão por aí. Mensalmente na
Revista da Leitura, quinzenalmente aqui no site. A qualquer
momento, em seu blog (www.blogdaferdi.blogspot.com).
E-mail: ferdipinho@gmail.com
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