
20/10/08
Sem ela, era só
tristeza
— A gente já complicou demais — dizia
ele, peito vibrando, mãos a tremer, sexo pura ansiedade.
— Inventamos mil motivos para não ficarmos
juntos e, mesmo assim, o que sobrou de amor foi de longe
mais do que suficiente para não me deixar te esquecer
nem por um minuto sequer após o instante em que te
conheci — balbuciava sôfrego, atropelando as
palavras. Agora respirando fundo para retomar o ar perdido
com a tão longa frase, nem tomava conhecimento do
quão piegas era não esquecer alguém
“nem por um minuto”.
Mas ele já não
se importava nem com a pieguice nem com a abundância
de clichês que transbordava suas falas porque, no
fim das contas, desde que ela o deixara ele estava (e não
sem um incontido orgulho) há muito se sentindo o
mais sentimental dos homens, o soberano de uma corte de
lugares-comuns..
O começo foi
assim: ainda quando a silhueta dela deixava de ser silhueta
para seu corpo atravessar, enfim, a porta da redação,
desde já ele não sabia mais o que era bossa
e o que era samba; só sabia que seu coração,
a partir daquele momento, começava a bater daquela
forma única como só batem os corações
metafóricos que encontram a razão de sua criação
semântica.
Tum-tum-tum insofreável,
naquela hora sua vontade era cantar sertanejo, rezar ave-marias,
dar esmolas a mendigos, emprestar grana sem juros ao cunhado.
A mais linda mulher que ele já havia visto estava
à sua frente, sorriso aberto, cabelos ao vento, olhar
intenso parado no seu; quando percebeu, tudo ao seu redor
transbordava poesia, ela a perguntar: — Onde me sento?
— Era sua nova colega em seu primeiro dia no jornal;
paixão à primeira silhueta.
— Pediram para
eu te explicar suas f-funções... — disse
ele (não sem piscar o dobro do normal, prendendo
com uma mão os dedos da outra, dedos que por certo
fugiriam à menor distração sua). Pronto.
Não havia mais como escapar. Sua vida já estava
irrevogavelmente invadida pelo amor.
Mas o fim seria “assado”:
término decretado e já pungindo há
meses, pelos mesmos exatos meses ele se perguntava, sem
resposta, qual o sentido de tudo aquilo. Não era
bossa: a dor que então sentia decerto não
diferia da dor que qualquer outro sentiria em seu lugar.
Novidade alguma se fazia. Mas também não era
o velho samba, pois se por um lado era uma típica
dor de amor, por outro não era “uma”,
e sim a sua dor, a dor por seu particular — e por
isso tão especial — amor.
Pois cansado de buscar
respostas, decidiu parar de perguntar. “A gente já
complicou demais”, arriscou afirmar, pois perguntas
não levam a respostas, e sim a outras perguntas.
“Inventamos mil motivos para não ficarmos juntos
e, mesmo assim....”, balbuciou sôfrego. “Nem
por um minuto”, repetiu mentalmente, sorrindo.
Pois nem por um minuto
ele esperou mais. Tomou-a pelos braços, agora firme
e decidido, comprometido apenas com a verdade e com sua
alma, e suspirou em seu ouvido: — Não quero
mais esse negócio de você longe de mim.
Coração
palpitante, ela respondeu, definitiva: — Eu também
não.
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Ewerton
Martis é Jornalista e escritor (pretenso),,
autor de vários contos interminados, romances sem
personagens, poesias e crônicas renegadas, petardos
ainda à espera do tempo que é escasso e da
preciosa mas furtiva inspiração para serem
enfim terminados — e, quiçá, publicados.
Nesse meio-tempo, escreve um blog: www.pretensoliterato.blogspot.com
Fale com ele: ewerton.martins@ymail.com
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