OPPERAA
 
Baby Boom
     
 
 
     

Respiro a ambigüidade. Sou a própria inconsistência e toda a incongruência de ser humana, e se tenho um gênero, só me avisaram depois. Incrivelmente, depois que disseram quem eu sou, me perdi de mim mesma, e tive que ser construída.

 

24/10/07
Não sou beata

Não sou anjo. Sou mulher. Mas antes de vir ao mundo, quando ainda estava no ventre de minha mãe, eu era só amor. Isso me faz pensar que antes de ser mulher sou só humana. Respiro a ambigüidade. Sou a própria inconsistência e toda a incongruência de ser humana, e se tenho um gênero, só me avisaram depois. Incrivelmente, depois que disseram quem eu sou, me perdi de mim mesma, e tive que ser construída. Disseram-me como sentar e sobre o melhor jeito de me arrumar. Alertaram-me quanto ao que devo falar e a quem devo honrar. Até mesmo os sentimentos, os desejos, os beijos, ensinaram-me a controlar. Com tantas regras, tantas normas e tantos princípios a seguir, diziam que eu fosse apenas direita, que fosse reta.

Todavia, apesar de todo o empenho, não me vem à razão ao certo, mas me enfiei pela esquerda e parte do que me ensinaram, aos poucos eu até lembrei, porém, com o tempo foi indo, indo e eu entortei. Fui entortando, quebrando, estilhaçando e fiquei sem forma. Na dor de me ver aos cacos, cheguei inúmeras vezes a me sentir sem fôlego.

Então, levantei e cortei as gargantas de onde saiam as vozes que diziam o jeito que eu deveria ser. E da morte se fez a vida. Passei a ouvir a flor nascida no meio de minhas pernas, sentir o seu cheiro e tocar os seus lábios.
O que é ser mulher? O que é o sexo feminino?
Aos poucos, com minhas mãos, fui construindo meu jeito de ser, sem pensar no ser ou não ser mulher. Fui aprendendo a viver, fui descobrindo o jeito que queria andar.

Experimentei andar com as pernas meio abertas, mas me doeram os joelhos. Experimentei andar com passos largos, mas cansei com o esforço. Descobri que ando melhor quando o faço lentamente, sem pressa, com calma e bem de mansinho. Comecei a pesquisar roupas e descobri que as largas me deixavam à vontade, mas com o tempo, ao olhar no espelho, achei que poderia ser mais ousada, mais livre, mais danada.

Também mudei o vocabulário. Troquei as palavras recatadas por expressões cheias de sabor e para combinar, também caprichei no tom da voz. "Puta merda", "Bosta", "É foda!" E me senti bem melhor assim.

Ao me sentar, passei a procurar um jeito de me sentir confortável. As pernas cruzadas podem ser charmosas, mas para quem tem perna curta é mais um suplício! Descobri, então, que ao me importar com os olhares dos outros, sentava-me em pregos. Agora prefiro sentar como os índios!

E desse modo, o início foi se tornado meio, mas nada teve fim. Eu me conheço um pouco mais e possuo um pouco mais de mim. Estou recuperando o que a voz da coerência me sufocou. Hoje vivo os sentidos e dou-lhes a direção dos meus passos. Não sou menina, não sou só mulher. A minha força é diferente. E se eu não tenho duas cabeças pouco importa, meu prazer corre pela espinha, num orgasmo que é um todo. É corporal.

Eu adoro cantar alto, gosto de gargalhar com espalhafato. Ando descalço e se me irritarem, falo o que vem aos lábios. Pago as minhas contas, mas delicio-me com afagos, carinhos e lambidas.

Minha tristeza é doentia. Minha crise é todo dia. Eu não busco mais as razões e faço poesias sem rima. Acho que Deus é Mãe.
Não acredito em mais nada, não obedeço ao que dizem. Não sou beata, não sou puta.

Sou apenas mulher, mas antes sou gente.
Amo, penso e cago.


____________________________________________________

Elisa Rodrigues é de Osasco (SP). É da década de 70, do tempo da "Disco", do início das músicas "dancing", das cores fortes e vibrantes. É claro que ela não viveu essa época! Digamos que estava ensaiando os primeiros passos. Mas por causa das mulheres dessa década e de algumas décadas anteriores, ela e suas amigas, aos trinta, estão vivendo coisas que nossas mães, avós, bisavós e sei lá mais quem... nunca pensaram viver, sonhar, decidir, fazer e... surtar! É teóloga, cientista da religião (doutorada) e enamorada da antropologia. Estuda e escreve sobre História Social do Cristianismo (I século) e Tradições religiosas no Brasil. Possui artigos publicados em periódicos especializados em e um ou dois livros. Mas queria mesmo era ser cantora de barzinho.


   
 

O melhor álbum de 2008 já?
A Rolling Stone(USA) sugere alguns. Votaria em qual? (Clique para ouvir)

Cat Power
Vampired Weekend
Hot Chip
Snoop Dogg
Black Mountain
Nenhum destes
                                  VOTAR!
 

Expediente::: Quem Somos::: Parceiros :::: Contato:::Política de Privacidade:::Patrocine nossa idéia
Copyright © 2008 O Binóculo On Line All rights reserved