
12/12/07
Três amigas e um sapo
A mistura do português culto com o português comumente falado é algo bem peculiar nas mesas de bar. Aliás, nos botecos e nos bares da vida, as conversar sempre rolam assim meio sem pé nem cabeça. O que dizer, então, de três amigas falando da falta de namorados, dos amores falecidos, dos novos amores e de sexo? Vejamos uma dessas cenas da vida...
Estavam sentadas em três, tomando cerveja, pitando um cigarrinho e tomando cervejinha gelada. Falavam, entre outras coisas, que na vida há tempo para tudo... O leitor e a leitora podem estar se perguntando: tempo para semear e tempo para colher? Não, não! Responderiam as três amigas: tempo para romance e tempo para sexo.
– Puxa, o Dani não entende que romance é bom, mas não na hora do sexo! – Falava uma das moças, gesticulando com as mãos de modo vigoroso.
Pensemos numa cena de ambiente romântico: pétalas de rosa espalhadas pelo chão da casa, velas acesas, música ao fundo, luz fosca e um bom vinho cabernet sauvignon . Eis um ambiente intimista acertado para preliminares. Mas, após todo esse magnífico intróito, na cama:
– Pô ! Que romance que nada! Eu quero é pegada !
Os risos soltos ecoavam enquanto uma delas tentou explicar o universo masculino:
– Querida, se você pedir ao seu marido que busque na cozinha uma xícara e um talher, certamente, ele trará primeiro a xícara e depois o talher... – e com expressão irônica, mas muito irônica: Não dá para fazer as duas coisas ao mesmo tempo! É complexo!!!!
A conversa “regada” e descontraída seguia, quando uma delas sugeriu que o feminismo teria sido um tiro no pé. Como assim? Perguntou uma delas já com “olhos meia-fase”. Nota explicativa. “olhos meia-fase”: condição do olhar de um indivíduo em condição pré-alcoolizado. Caracteriza-se pelas pálpebras semi-cerradas e os olhos ligeiramente avermelhados.
Choramingando, com o rosto entre as mãos e os cotovelos apoiados na mesa, ela respondeu:
– Eu só queria um homem para abrir a porta do carro para mim, para afastar a cadeira quando eu tiver que me sentar à mesa, para pagar as minhas contas e fazer massagem nos meus pés...
Todas suspiraram pateticamente, solidárias e inteiradas do que representava aquela “puta” dor. Então, alguém lembrou que isso não era homem: era um capacho. Pensativas, as gurias lembraram de suas mães. Uma conversa entre comadres nos anos 40, 50 deveria ter outro teor. Elas falariam de tricô? Bordados? Culinária? Filhos?
– Vish Maria ! Tô achando é que não! Vocês conhecem a história do sapo e da princesa?
Revoltadas, as duas amigas indagadas se entreolharam e responderam que aquela história era por demais conhecida e sem graça! Todas ali, com seus mais de “trintinha”, já tinham duramente sacado da vida que não eram “Alices” e tampouco viviam no país das maravilhas.
– Oxi , mas assente! Calma! A versão que conheci diz que uma bela rapariga caminhava entre as árvores de um bosque, quando subitamente ouviu gritos que vinham da direção de um lago. A moçoila se dirigiu até a margem e eis que se deparou com um sapo falante.
Sim, sim. Todas as mulheres conhecem essa historieta ridícula do sapo que vira príncipe ... Falavam exasperadas e todas ao mesmo tempo enquanto a narradora tentava quase que inutilmente contar sua versão.
– Mas oxi ! Que muierada mais chata. Deixem-me contar... Eu dizia que a moçoila se deparou com um sapo falante que lhe suplicou um beijo.
O sapão declarou que era engenheiro formado, que tinha negócio próprio, que morava sozinho num apartamento em São Paulo , que não tinha filhos, que tinha por volta de 40 anos, adorava esportes, não tinha vícios e que só estava naquela situação porque mesmo tendo fugido da bruxa, ela o localizou e lançou-lhe uma terrível maldição. Agora, tudo o que ele queria era ser beijado por uma bela mulher e dirigir-se para o altar. A moçoila sem pestanejar pegou o sapo, enfiou-o no bolso e pôs-se de volta ao caminho. O sapão, meio fulo, começou a esbravejar depois de um tempo e perguntou a bela: Não vais me beijar? E ela respondeu solenemente: Mais vale um sapo falante no bolso, que um marido engenheiro.
Ao término da piada, meio sem graça, as gurias se entreolharam, sorveram um gole de cerveja e depois de um longo silêncio alguém disse:
– Pô ! Eu bem queria um engenheiro quarentão! – E a outra acrescentou pensativa:
– Eu fazia esse sapo todo!
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Elisa
Rodrigues é de Osasco (SP). É da década
de 70, do tempo da "Disco", do início das
músicas "dancing", das cores fortes e vibrantes.
É claro que ela não viveu essa época!
Digamos que estava ensaiando os primeiros passos. Mas por
causa das mulheres dessa década e de algumas décadas
anteriores, ela e suas amigas, aos trinta, estão
vivendo coisas que nossas mães, avós, bisavós
e sei lá mais quem... nunca pensaram viver, sonhar,
decidir, fazer e... surtar! É teóloga, cientista
da religião (doutorada) e enamorada da antropologia.
Estuda e escreve sobre História Social do Cristianismo
(I século) e Tradições religiosas no
Brasil. Possui artigos publicados em periódicos especializados
em e um ou dois livros. Mas queria mesmo era ser cantora
de barzinho.
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