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Baby Boom
     
 
 
     

Certa tarde de domingo, Catarina ouvia músicas no rádio quando se surpreendeu tomada de lembranças. A música era “Listen to your heart”, do grupo Roxette. Uma música dos anos 80 que embalou seu primeiro amor por um menino da 8ª B, que atendia pelo nome Fábio.

 
 
 

21/07/08
Mulheres desastradas

Para muitas pessoas que vivem em centros urbanos sozinhas, ter um animal de estimação é mais do que um mimo, uma companhia ou a sensação de outra respiração dentro de casa. O animalzinho cumpre o papel de um parceiro ou parceira que desarruma a casa, que quebra coisas, que faz tudo errado e, brilhantemente, nos dá oportunidade de gritarmos enfurecidos pela desordem, pelo desalinho de nossos mundos e pela intromissão nas nossas coisas, mexidas e invadidas sem autorização.

Soa mais ou menos assim: mundos mexidos equivalem a mundos desordenados. Impressão que nos faz sentir vivos. Muito embora, de fato, como seres neuróticos que somos, dizemos o tempo todo que gostamos de coisas arrumadas, ordenadas e alinhadas.

Catarina ganhou um cachorrinho e comprovou pessoalmente que, com a convivência, os bichos tornam-se parecidos com seus donos. Ou, pelo menos, cúmplices. Ela se sentia triste por deixá-lo sozinho em casa, mas ficava feliz em saber que quando retornasse haveria alguém a sua espera e também milhões de coisas para colocar no lugar.

Ele era tão desastrado quanto ela. Foi batizado com o nome de seu ex: “Filipe”, mas diferentemente do falecido, Lipe era muito amoroso e adorava a presença dela. Chegava ser doloroso ouvir as cabeçadas de Lipe na porta tentando sair junto com ela pela manhã. Catarina cerrava a porta e colocava as mãos nos ouvidos para não ouvir o barulho das colisões.

Ela ia para o trabalho chorando e Lipe ficava em casa choramingando a ausência dela.

Mas, bonitinho mesmo, foi vê-lo cúmplice de Catarina em seus dias nostálgicos.

Certa tarde de domingo, Catarina ouvia músicas no rádio quando se surpreendeu tomada de lembranças. A música era “Listen to your heart”, do grupo Roxette. Uma música dos anos 80 que embalou seu primeiro amor por um menino da 8ª B, que atendia pelo nome Fábio.

Putz! Como ele era feio! Mas ao lembrar-se de toda emoção que sentiu ao ouvir essa música pela primeira vez, na cozinha do apartamento de seus pais, enquanto enxugava pratos da louça do almoço e derramava copiosamente lágrimas de paixão, Catarina começou a soluçar como se tivesse novamente 14 anos de idade. Foi então que Lipe colocou a patinha em sua perna como se dissesse: “estou aqui!”

Catarina recobrou a consciência: Nossa! Aquele meu cabelo era o ´uó´! Um desfiado pigmaleão (tipo David Bowie anos 70, ainda) todo repicado, do tipo capacete! Caraca! E aquela sainha rosa choque, batom vermelho, polaina colorida... Ui!

Felizmente os anos 80 passaram. Agora já era mulher, madura, centrada, independente e financeiramente bem estabelecida.

Parou por alguns minutos. Pensou no que havia pensado e chegou à conclusão que o pensamento pensado podia não corresponder à realidade... Como assim Catarina? Perguntou-se em voz alta.

Fácil. Lembra-se do dia em que se preparou toda para um encontro com um ex-colega ma-ra-vi-lho-so de colégio, um desses que aparecem no Orkut “do nada” e que nos deixam de queixo caído. Pois é, o caso é que o pesadelo do passado havia se tornado o sonho do presente! O balofo, branquelo e cheio de acne, coleguinha do ginásio se tornou um executivo alto, esbelto, “multi-lingüe”, com sorriso artificial de anos de aparelho e sessões de branqueamento.

Não havia como titubear! O recado dizia: “Olá! Você por aqui? Que saudade! Vamos nos ver?” Após consultar os álbuns do rapaz, a resposta: “Nossa! Quanto tempo! Vamos, sim! Claro! Quando? Onde?

Dias depois, estava ela fazendo planos fatais para envolvê-lo em sua “teia de sedução”.

Catarina meteu-se numa “beca arrumada” e pegou um táxi na expectativa de uma noite requintada, servida de um bom jantar e um ótimo sexo. Ao chegar poderosíssima ao restaurante, do alto de seu salto, avistou o cavalheiro acompanhado por uma taça de vinho. Concentrou-se, alinhou-se e desfilou pausadamente pelo corredor que levava à mesa. Ele sorria como num filme de Hollywood. Ela dava passos largos e balançava os cabelos brilhantes como num comercial de shampoo.

De repente, (som de disco riscado) passou direto por dois degraus que, discretamente, dividiam o ambiente do salão. Ela se espatifou como a Miss Estados Unidos 2008 (Deus salve a América!), mas, assim como a mulher do concurso, se restabeleceu elegantemente, colocando-se rapidamente em pé.
De olhos fechados, biquinho torto para o lado e mão segurando a testa, Catarina dizia não, não, não, como se quisesse esquecer a constrangedora lembrança. Embora o cavalheiro, ex-gordo “espinhento” tivesse sido impecável naquela noite, o ótimo sexo não aconteceu e muito menos outro encontro.

Juntando “Listen to your heart”, as lágrimas dos 14 anos e a história com o colega ex-balofo do Orkut, Catarina entendeu que sua maturidade e independência atuais não a tornavam tão diferente da moça que fora outrora. A única diferença é que, ao invés de enxugar pratos na cozinha da mãe, agora enxugava pratos em sua própria cozinha e em companhia de Lipe, o único ser do gênero masculino que sabia ser fiel a ela.

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Elisa Rodrigues é de Osasco (SP). É da década de 70, do tempo da "Disco", do início das músicas "dancing", das cores fortes e vibrantes. É claro que ela não viveu essa época! Digamos que estava ensaiando os primeiros passos. Mas por causa das mulheres dessa década e de algumas décadas anteriores, ela e suas amigas, aos trinta, estão vivendo coisas que nossas mães, avós, bisavós e sei lá mais quem... nunca pensaram viver, sonhar, decidir, fazer e... surtar! É teóloga, cientista da religião (doutorada) e enamorada da antropologia. Estuda e escreve sobre História Social do Cristianismo (I século) e Tradições religiosas no Brasil. Possui artigos publicados em periódicos especializados em e um ou dois livros. Mas queria mesmo era ser cantora de barzinho.

   
 

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