
02/03/08
Estratégia
de conquista
Já é de domínio
público que o mercado de homens está em crise.
A escassez desse produto se alastrou pelos cinco continentes,
talvez como mais uma das pragas da globalização.
A demanda de mulheres é volumosa, a exigência
pela qualidade é cada vez maior e, no entanto, não
há unidades de trabalho especializadas à disposição.
Pior de tudo que sequer existe um exército
de reserva para que se pudesse quebrar um galho:
a grande massa de homens também está ocupada.
Recentemente uma amiga reclamou
que os homens estão tão atarefados que nem
mesmo assobiam ou pronunciam galanteios de baixo calão
quando ela desfila displicente em frente a uma obra. Oras,
se uma mulher não recebe elogios ambíguos
quando transita em frente a uma obra da construção
civil é porque, de fato, a coisa tá
feia!
Ciente dessa perturbação
que altera o curso ordinário das coisas, Catarina
nossa amiga solitária do Natal, bolou
uma estratégia. Depois de um atento trabalho de campo
cuja metodologia primou pela observação, Catarina
percebeu que homens que vão ao mercado com filhos,
em sua grande maioria, são separados, divorciados
ou viúvos. A estatística pode variar conforme
a região, mas em metrópoles como São
Paulo, Belo Horizonte ou Rio de Janeiro, os números
são relevantes e, portanto, as chances de acerto
da estratégia são maiores.
Basicamente, a estratégia
consiste em adquirir uma criança, que pode ser um
sobrinho, um vizinho ou um afilhado, freqüentar lugares
públicos como mercados, farmácias (um lugar
bem comovente) e praças públicas, e bancar
a mãe sozinha. A criança deve ter entre 2
e 4 anos de idade, que é para dar aquele clima de
mulher corajosa que sabe o que quer da vida, e de preferência
não falar muito, pois isso pode arruinar o plano.
Vamos a um exemplo. A mãe
sozinha entra no mercado com a criança e a coloca
cuidadosamente na cadeirinha do carrinho de compras. A seguir,
pausadamente, circula pelo ambiente conversando com a criança
de modo simpático que é para causar boa impressão.
Entre corredores e estantes de produtos, a mulher procura
por homens solitários que estejam com crianças
e com olhar lânguido, isto é, extenuado, sem
força, e em seguida se aproxima sem pressa. Nas proximidades
do alvo, olha produtos calmamente, compara preços
e pede a opinião da criança com sorriso de
mãe de seriado norte-americano dos anos 50. Se o
homem não der atenção, ela deve aproximar-se
e docentemente comentar a respeito da criança que
o acompanha: - Que criança adorável!
É seu filho? Se isso não acionar uma
conversa, é bom prosseguir e buscar outro alvo.
Catarina constatou que homens
que vão a esses lugares na companhia de filhos, se
forem recém separados são muito confusos e,
por isso, extremamente carentes de um norte. Isso os faz
inseguros quanto à educação dos filhos
e, portanto, potencialmente a procura de um relacionamento,
o que pode possibilitar a retomada do curso ordinário
das coisas.
Outro tipo é o completamente
perdido. Aquele que sai de casa despenteado, com sapatos
de pares diferentes, camiseta Hering esgarçada, bermuda
furada e olheiras profundas. Esse cara está no limo!
Se encontrá-lo, fuja!
Um terceiro tipo, esse um pouco
melhor, é aquele pai carinhoso que se ressente do
casamento não ter dado certo. Esse tipo ainda procura
a mãe de seriado norte-americano dos anos 50
e acha que pode ser um Sr. Anderson chegando as 19horas
em casa e gritando da porta: Querida, cheguei!.
Catarina seguiu os passos da
estratégia de conquista cuidadosamente. Conheceu
um belo homem de 42 anos de idade, grisalho, com ombro largo
e sorriso gentil. Combinaram um café e trocaram números
de telefone. Então, deu-se a desgraça. Nossa
amiga recebeu o telefonema e atendeu alegremente. Conversaram
longamente e tudo ia muito bem até que o futuro marido
perguntou:
- Então, traga o Igor
com você...
Ao que Catarina quase deixou
escapar: Quem é Igor? E ele continuou:
- Nesse café tem um
parque muito legal e nossos filhos podem brincar juntos...
Hum, Igor é meu filho!!!!
Esqueci dele... Lembrou-se de súbito.
- Ah, então... Que coisa,
hein? Imagina que o Igor está com o pai dele.
- Hã? Mas o pai dele
não estava na África fazendo trabalho de campo
numa tribo?
- É. É... Estava
... Até ontem! Isso mesmo: até ontem! Ele
teve que voltar para renovar o visto de estudante e pediu
para passar um tempo com o Igor! Eu deixei porque a gente
não pode privar os filhos de terem esse contato com
o pai, né? A coisa da figura masculina é super
importante...
Bem, não preciso dizer
que essa história não pôde ser sustentada
por muito tempo. A verdadeira mãe do menino, o tal
de Igor, reclamou as saídas de Catarina com seu filho
e acabou descobrindo a fachada toda. Obviamente, ela não
apreciou o plano de Catarina. Tudo ficou pior quando nossa
amiga ao invés de contar a verdade para o pretendente,
apareceu com o irmão mais velho de Igor. Ela simplesmente
errou de irmão e não pensem que é exagero
meu. Na hora da pressa, ao invés de pegar o Igor
para passear, ela emprestou por engano o Hugo.
Com isso, a história
de amor com o Sr. Anderson, o pai perfeito do seriado norte-americano,
não deu certo. A estratégia era atrativa,
de fato. Mas os homens do século 21 prestam mais
atenção aos filhos, à educação
dos rebentos e ao rostinho deles, que os pais de antigamente
-, que mal sabiam a cor dos olhos de seus filhos.
Isso é pós-modernidade:
pais atenciosos, presentes, carinhosos, preocupados e companheiros.
Pena que parece não ter sobrado nenhum desses para
Catarina.
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Elisa Rodrigues
é de Osasco (SP). É da década de 70,
do tempo da "Disco", do início das músicas
"dancing", das cores fortes e vibrantes. É
claro que ela não viveu essa época! Digamos
que estava ensaiando os primeiros passos. Mas por causa
das mulheres dessa década e de algumas décadas
anteriores, ela e suas amigas, aos trinta, estão
vivendo coisas que nossas mães, avós, bisavós
e sei lá mais quem... nunca pensaram viver, sonhar,
decidir, fazer e... surtar! É teóloga, cientista
da religião (doutorada) e enamorada da antropologia.
Estuda e escreve sobre História Social do Cristianismo
(I século) e Tradições religiosas no
Brasil. Possui artigos publicados em periódicos especializados
em e um ou dois livros. Mas queria mesmo era ser cantora
de barzinho.
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