
17/10/07
Um
olhar da psicanálise sobre o envelhecer na contemporaneidade
A terceira idade marca a entrada do
corpo em outra cena. Uma cena desconhecida que, na maioria
das vezes, gera angústia para o sujeito que envelhece.
Envelhecer é um processo pessoal, natural, indiscutível
e inevitável, para qualquer ser humano, na evolução
da vida. Nessa fase sempre ocorrem mudanças biológicas,
fisiológicas, psicossociais, econômicas e políticas
que compõem o cotidiano das pessoas.
Envelhecer, muitas vezes, remete
a morte do corpo, do estado vital. O corpo, na velhice,
é o lugar privilegiado da desilusão narcísica,
prometido à decadência e ao padecimento da
forma estética e da energia física e mental.
A revelação do envelhecimento, ou melhor,
a descoberta do primeiro sinal que marca o tempo no corpo
traz a estranheza deste se descobrir como um outro. Esta
descoberta, ou esta ruptura é, a nosso ver, uma espécie
de reedição do Estádio do Espelho como
nos apresenta Lacan.
No Estádio do Espelho
no entanto, é onde o ser humano irá constituir
a sua subjetividade. Essa imago é a matriz simbólica
do sujeito, pois o sujeito entra no simbólico via
simbolização da imagem do corpo, ficando então
marcado pela linguagem. Pela identificação
no duplo, a criança dá forma ao corpo espedaçado
e, na sua pré-maturação, faz o reconhecimento
de si mesmo, o corpo próprio que se torna o símbolo
da presença do sujeito no mundo, estabelecendo a
relação do corpo biológico com a realidade
do sujeito. O sujeito constrói, portanto, a sua realidade
a partir do encontro com sua imagem no espelho.
Com o envelhecer, surge a reexperiência
do espelho, o sujeito se descobre modificado pelos irremediáveis
sinais do tempo. É o Outro do espelho quem denuncia
sua condição de quem não pode mais
satisfazer o outro e assim a idade se transforma em angústia.
Porém, hoje em dia,
muito se pode fazer para atrasar o relógio biológico
e reascender de forma equilibrada e saudável o narcisismo
em busca da manutenção da vida. As tecnologias
farmacêutica e da bio-estética se aprimoram
constantemente na tentativa de adiar o envelhecer que é
inerente aos sujeitos civilizados. Atualmente, se vive mais
e a juventude se prolonga também mais.
Em contrapartida, geralmente,
a mídia na procura de consumidores para os seus produtos
acaba expondo objetos de consumo e de desejo em torno de
um discurso que venha defendê-lo contra a pulsão
de morte, ou seja, contra ao real da morte e das doenças
inevitáveis dessa fase. O papel “mídico-ilusionista”
é importante para lidar com as “asperezas da
vida”, isso, é inegável! Só que
não se deve alienar a tal discurso consumista como
se fosse aplacar o terror do indizível frente à
morte. É abrindo mão da completude ilusória
da busca pela "juventude plena” ou da necessidade
de ser um eterno “Peter-Pan", que o desejo encontra
sua possibilidade de movimento. Movimentar para dar um outro
sentido para a questão do envelhecer.
Desta forma, o envelhecer
na hipermodernidade dos avanços tecnológicos
e universais acaba tirando o sujeito que envelhece dessa
imagem antes passiva e o desloca para um posicionamento
ativo mediante a sociedade que um dia o excluiu - e que
ainda exclui, pois esse progresso é lento. As alternativas
que visam à saúde e o bem-estar se ampliam
com o passar dos anos e esses sujeitos conseguem novamente
se sentirem aceitos e inclusos no contexto social, mais
saudáveis, mais viris, mais jovens, na busca de mais
sonhos e desejos a realizarem.
Em suma, atualmente se tenta
envelhecer melhor e com qualidade de vida. O terror do falecimento
do corpo diminui, porém a morte não deixa
de existir. O que podemos pensar é que o ser humano
será um eterno angustiado em relação
ao desconhecimento da morte. Porém, é esse
desconhecido inominável que sempre estará
motivando o ser humano a procurar novas soluções
para entender e estender o seu caminho em torno da finitude
da existência da vida.
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Eduardo
Lacerda é psicólogo clínico,
pós-graduando em psicanálise pela PUC Minas,
interessado no estudo dos sintomas contemporâneos,
um curioso que busca entender as implicações
do inconsciente na vida singular dos indivíduos pós-modernos.
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