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Nos ensinos de Lacan, a Lei é uma operação simbólica na qual o significante do Nome-do-Pai ordena o campo gozo, inscrevendo-o no campo da linguagem. Quando o sujeito carece desse significante, temos um sinônimo insensato da lei que acarreta muitas conseqüências clínicas.

 



15/11/07
A psicanálise e o sujeito psicótico mediante as leis jurídicas

A palavra lei significa, em seu sentido mais amplo, a relação constante e necessária entre os fenômenos. No sentido Jurídico, é a regra escrita, que norteia os comportamentos de todos os sujeitos pertencentes a uma determinada sociedade, visando à generalidade (universalidade), sendo transmitida de geração a geração.

Nos ensinos de Lacan, a Lei é uma operação simbólica na qual o significante do Nome-do-Pai ordena o campo gozo, inscrevendo-o no campo da linguagem. Quando o sujeito carece desse significante, temos um sinônimo insensato da lei que acarreta muitas conseqüências clínicas. Lacan afirma que as leis que interessam à psicanálise são as leis da linguagem. Lacan acrescenta à lei do incesto, reguladora de toda sociedade, o Complexo de Édipo, que estrutura simbolicamente o sujeito, determina-o e o submete às leis do inconsciente, acrescentando que o sujeito está apegado a algo que se pode chamar de gozo, ou seja, que é desconhecido e o aliena em torno da pulsão de morte, ao non-sense.

Em um de seus “Seminários VII”, Lacan nos apresenta a lei na vertente da proibição e afirma que para que o sujeito alcance o gozo, é necessário que ele transgrida a lei, uma barreira. Explica que se por um lado existe uma lei edipiana, que interdita, por outro existe uma incidência perturbadora e insensata da lei, podendo esta ser identificada quando se fala em “supereu”. Esta instância se produz a partir da identificação com o pai, em sua função edipiana e representa um agente de repressão em relação às exigências das pulsões vindas do “isso”. Quanto mais o sujeito persegue um ideal, mas o supereu se torna acusador e exigente (Lacan, ao decorrer dos seus estudos, constrói novas concepções sobre o supereu). Ainda neste seminário, o autor afirma que o supereu é algo ligado ao fantasma de um pai. O fato de o sujeito estar sempre insatisfeito com o que o mundo lhe oferece, como os “meios de gozo”, está relacionado à sua condição de ser falante, sendo o supereu para Lacan, um dos nomes do inconsciente freudiano. O supereu é um efeito de estrutura, ou seja, de linguagem.

O significante começa a ter um funcionamento mortífero não por si mesmo, mas a partir do momento em que se nega a castração do Outro, quando se formula um fantasma de gozo total. Para Miller: “O supereu certamente é a lei, mas não é a lei pacificadora, socializante, mas a lei insensata, enquanto traz em si um buraco, uma ausência de justificação. É a lei como significante ‘unário’, S1, cuja significação desconhecemos, pois para conhecê-la, seria necessário um significante a partir do qual, retroativamente, o primeiro ganharia sentido. O supereu é a evidência e o paradoxo que resulta de um significante único, que por estar só, é insensato.”

O gozo é interditado e o sujeito foge dele. No lugar desse gozo circunscrito pelo fantasma, surgem os sintomas. Portanto, há o deslocamento do gozo. Esse é o funcionamento da neurose. Entretanto, quando o que está em jogo é a psicose, o gozo se apresenta sem o imaginário do sentido, aparece como gozo significante e se faz presente na vida de todos estes sujeitos. Fórmulas são impostas ao sujeito e o guiam, independente da sua vontade. O psicótico é para Lacan o sujeito do supereu, aquele que age contra o seu próprio bem e que sequer tem a chance de se posicionar contra isso.

A lei do pai, que dita à proibição do incesto dirigido à criança, também se endereça a mãe, uma vez que a priva de “reintegrar o seu produto” e aparece no próprio discurso da mesma. O Nome-do-Pai é, portanto um significante que funda a lei, a ordem. Esta operação faz com que a significação fálica encontre o seu lugar, instaurando o sujeito na via do desejo. Não é um ser, mas um semblante, algo que estabelece a relação entre um significante e um significado. É aquele que estabelece uma conexão entre código e mensagem. Na psicose, isso não acontece. O sujeito se coloca à mercê do gozo inconsciente (o gozo do Outro), imperativo do desejo da mãe não metaforizado pelo nome do pai, que aparece de forma avassaladora. São invadidas por idéias, vozes, visões que escapam do seu controle, tudo isso dado ao que chamamos de foraclusão do Nome-do-pai.

Quando essa foraclusão acontece, o sujeito permanece na relação imaginária de identificação narcísica e o supereu surge como efeito da foraclusão da lei simbólica. A pressão desmedida e despótica do supereu pode atingir o eu de tal maneira que esse chegue a impor para si mesmo torturante sofrimento e até mesmo brutal violência. Os atos são as conseqüências de um imperativo inflexível de um supereu tirânico. A culpa originária das vozes que escuta leva o sujeito a sentir um mal-estar insuportável, chegando a voltar contra si mesmo ou contra outras pessoas. A passagem ao ato, característico da psicose tenta localizar o gozo que se apresenta sem limites ou até mesmo nomear a falta, a própria foraclusão, até então sem nenhuma representação.

Enquanto para Freud o supereu se apresenta como algo paterno, recebido como herança do Complexo de Édipo, para Lacan o supereu é essencialmente materno, encarnação da lei insensata que corresponde ao desejo caprichoso da mãe, função coordenada ao gozo.

O sujeito neurótico é aquele que acredita no pai, faz dele o seu sintoma, mas com a análise o dispensa, com a condição de ter-se servido dele, enquanto o psicótico, à sua maneira, encontra suas formas de viver sem o Nome-do-Pai, com outros sintomas e suplências, antes ou depois do desencadeamento da psicose.

Ao que se refere ao trabalho analítico, sabemos que para a sua construção, deve haver o assentimento do sujeito em questão. Este assentimento si pode advir do material recoberto pelo recalque, ou seja, do inconsciente. Uma das questões que vem sendo estudadas atualmente se centra no assentimento, quando o paciente em questão possui estrutura psicótica. Para Lacan: “toda sociedade manifesta a relação do crime com a lei através de castigos cuja realização, sejam quais forem suas modalidades, exige um assentimento subjetivo”. Acredita-se que se o sujeito psicótico que não foi castrado, ou seja, não teve o recalque instaurado, não teria como assentir acerca de seus atos. Mas, esta não é uma “lei”. As possibilidades e limites estão no caso a caso e torna-se complicado a afirmar a impossibilidade ou a sua realização.

Diante um ato, muitas vezes o psicótico (que geralmente não se lembra do que fez) tem que se haver com a lei jurídica e alguns deles alcançam assunção do seu ato, que passa por uma elaboração depressiva da culpabilidade e por uma aceitação do castigo pronunciado pelo tribunal. Embora quase necessárias essas condições não são, contudo sempre suficientes para permitir uma estabilização do sujeito. Os efeitos do julgamento permanecem imprevisíveis e aparentemente aleatórios. Em contrapartida, se o psicótico se encontra rejeitado pela comunidade humana, maior é a sua probabilidade de passar ao ato.

Ao que tudo indica, é melhor para o sujeito psicótico a oportunidade de poder responder por seus atos diante da justiça do que se afrontar com a culpabilidade altamente destruidora (em casos de desresponsabilização), já que nessas circunstâncias, o castigo rejeitado no simbólico tende a retornar no real. Para Legendre, todo atentado à vida de um ser humano, seja ela contra crianças, adultos ou contra si mesmo, visa à noção de paternidade e é um parricídio. Representa segundo ele, uma forma desesperada de buscar a justiça, de livra-se da identificação, de buscar uma contenção.

Pensando nas funções atribuídas à Psicanálise e ao Direito, concluímos que ambas as teorias interpretam as relações estabelecidas entre os sujeitos e a lei. É preciso levar o saber “psi” a se situar como saber constituído sobre o sujeito e como elemento das montagens do laço institucional moderno, ou seja, inscrito nas regras jurídicas da sociedade. Segundo Guerber, durante o processo, a função do juiz é ser um interprete. Ele inscreve o ato no discurso da Referência, dando-lhe estatuto de ato ilegal e inscreve o assassino no discurso genealógico, impondo-lhe um pagamento simbólico sob a forma de uma pena endereçada à Referência, ou seja, ao verdadeiro credor. O Direito, segundo ela tem a função clínica de reter o desmoronamento da função do pai. A função do juiz se reduz à defesa do princípio de paternidade. O juiz ocupa o lugar do terceiro institucional, vindo separar o sujeito do seu crime. Inscreve o sujeito na relação normativa.

Na visão do tratamento psicanalítico, trata-se de propiciar ao sujeito uma escuta diferenciada à jurídica, para que ele elabore a sua culpabilidade e com a evolução do tratamento, reconheça e saiba representar seu próprio lugar, visando a sua reinserção social e respeitando acima de tudo as formas como o sujeito encontra para lidar com o gozo do Outro que o acompanha por toda a sua caminhada.

 


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Eduardo Lacerda é psicólogo clínico, pós-graduando em psicanálise pela PUC Minas, interessado no estudo dos sintomas contemporâneos, um curioso que busca entender as implicações do inconsciente na vida singular dos indivíduos pós-modernos.
Visite o blog: www.polemicacomsaber.blogspot.com
Fale com ele: lacerda_eduardo@yahoo.com.br

 

   
 

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