
03/10/07
A
importância da fala para a psicanálise
A existência de dois mundos, subjetivo e objetivo,
dividem o ser humano em interno e externo. Essa divisão
do eu e mais mundo externo nem sempre se encontram em harmonia,
o que pode vir a proporcionar um conflito entre os dois.
Esse desequilíbrio relacional é provocado
pela forma como se internalizam as emoções,
ou seja, como as pessoas percebem e captam para si o meio
sócio-político-econômico-cultural no
qual elas estão inseridas.
O conflito interno, pode-se pensar como uma tensão
permanente e inerente aos seres humanos. Como seria bom
se o mundo pudesse dar aos mortais somente coisas boas e
estáveis capazes de gerar apenas o prazer! Seria
ótimo, não é mesmo?! O mundo atualmente
está passando por muitas mudanças, mudanças
oscilantes que afetam tanto psicologicamente quanto fisicamente
a vida das pessoas. E uma das alternativas de estar expondo
essa desordem que afetam essas duas esferas mente e corpo
é falando sobre isso mediante aquele que venha a
escutar, no caso o psicólogo / analista.
Falar de qualquer coisa que vier a cabeça é
um pacto analítico. Pois na fala algo se revela,
aparece e desaparece. É a partir da fala que o sujeito
se vê, pensa, argumenta, sofre, trabalha; enfim, se
põe no mundo e, até mesmo, se desconhece.
E o tratamento não seria possível se o sujeito
nâo conseguisse expor a sua vida através da
fala, já que é dizendo daquilo que o incomoda
ou deseja é que se tem acesso a sua singular realidade
psiquica. Realidade, essa, subjetiva e inconsciente onde
a verdade do sujeito se encontra e implica de forma angustiante
ou não para consigo mesmo.
No entanto, para que ocorra uma análise há
aí um desafio, uma aposta, um deslocamento da fala
como desabafo, queixa, pedido de alívio etc., para
um plano que pode-se chamar de reflexivo ou indagativo.
É preciso, em algum momento, querer saber sobre o
que se diz. Isso só irá ocorrer caso a transferência
deixe de ser uma expectativa imediata de cura para se transformar
na transferência analítica. Tal movimento transferencial
acaba acontecendo acidentalmente para uns ou acaba dependendo
mais diretamente da ação do profissional.
Cabe ao sujeito entrar no jogo, apostar em saber um pouco
mais daquilo que o aflige para tomar nas mãos uma
parcela de seu destino que, é preciso que se diga,
depende de um campo variável de possibilidades não
previstas.
Contudo, não há como prever e nem como garantir
que os que procuram atendimento se envolvam nessa empreitada.
Ao analista cabe manter a oferta a seu modo, sem coação,
é óbvio, mas com clareza de seu propósito
e, sabendo esperar, dar tempo ao sujeito que, de início,
quer do analista um saber da cura, como se ele fosse um
milagroso, um mágico capaz de resolver os conflitos
pessoais e particulares de uma hora para outra. O que cabe
aqui ressaltar, é que falar livremente o que vier
à cabeça não é da ordem da magia,
mas é da ordem do comprometimento transferencial
que irá permitir o analisando no final de uma análise
bem-dizer do seu sintoma ou daquilo que um dia lhe fez angústia,
ou seja, lhe gerou desprazer.
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Eduardo
Lacerda é psicólogo clínico,
pós-graduando em psicanálise pela PUC Minas,
interessado no estudo dos sintomas contemporâneos,
um curioso que busca entender as implicações
do inconsciente na vida singular dos indivíduos pós-modernos.
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