
08/08/07 -Quarta-feira
Os perversos do cotidiano
Já diz a psicanálise no que se refere à
perversão como um modo subjetivo de funcionamento
de certos sujeitos: a perversão nega a castração.
Mas, o que isso quer dizer? E o que isso pode inferir no
nosso cotidiano? Os perversos do cotidiano são muitos.
Um deles pode estar ao seu lado. Não se espante!
Para começar, sinto a necessidade de esclarecer que
não irei abordar o perverso e a sua forma de lidar
com o sexo, pois a psicanálise está cansada
de delimitar esse campo erótico onde permeiam os
fetiches. A nossa questão, aqui, será de outra
ordem no qual o leitor também irá se interessar.
Então, vamos ao texto.
Imagine na vida de vocês uma pessoa desse tipo: um
sujeito bem articulado, que arranca admiração
da equipe de trabalho, que consegue todas aquelas gatas
de capas de revistas; é charmoso, sedutor, educado
e consegue tudo o que quer e almeja, mesmo sendo esteticamente
desfavorecido e de renda baixa. Pois, bem! Identificaram
alguém? Se a resposta for sim! Esse sujeito pode
ser um perverso. Se a resposta for não! Continue
mesmo assim a leitura, pois possíveis perversos poderão
aparecer em algum meio nos quais vocês circulam no
dia-a-dia.
Então, quem seriam esses perversos do cotidiano?
Respondendo, eles seriam aqueles mestres em arrancar sorrisos,
admirações, inveja, raiva por onde passam.
Todos os amam e odeiam porque gostariam de, no fundo, ser
iguais a eles, ou seja, ter a capacidade de conseguir ser
menos neurótico, menos recalcado, para obter a possível
“completude” que imaginamos que esses sujeitos
parecem desfrutar.
No entanto, os perversos representam aquilo que não
conseguimos ser, pois se conseguimos demarcar a diferença
na conduta desses sujeitos é porque estamos numa
posição não especular com eles. Somos
barrados por termos nossas questões, nossos limites,
nossas neuroses. Os perversos não querem saber de
limitações, restrições, falhas,
lacunas, apesar de concordar que elas existem. Eles são
as leis, eles ditam o que é o melhor para ser vivido
ultrapassando quem tiver ou o que tiver na sua frente dentro
das possibilidades reais. Eles são inteligentes na
maneira de lidar com o meio aonde estão inseridos
podendo gozar de tudo e todos caso consigam espaço
para isso. Eles são a verdade, tentar provar o contrário
seria perca de tempo. Domá-los é quase impossível.
Os perversos do cotidiano então se misturam entre
nós. Porém, cabe ressaltar que, nós
também possuímos um traço perverso
em nossa conduta, em nossa personalidade. Isso é
normal! O que venho destacando até este momento são
aqueles casos extremos, aqueles casos onde o sujeito é
“dono da festa” na maioria das situações
que ele se encontra, onde ele é capaz de articular
manobras inacreditáveis mediante as peripécias
da vida que nós, mesmos com meros traços pervertidos,
chegamos a estranhar. Estranhamento, esse, que pode nos
levar a admirá-lo ou abominá-lo.
Desta maneira, os sujeitos perversos podem canalizar sua
energia gozosa para representar tanto o mal quanto o bem.
Isso depende do objetivo que visam atingir. Eles, como já
mencionei, são mestres. Mestres na arte de lidar
com pessoas principalmente. Visualizando o lado negativo
das relações interpessoais com tais perversos,
eles são capazes de descobrir aquele ponto fraco
que só nós sabemos e, por uma reação
corriqueira, casual e inconsciente, acabamos revelando numa
conversa ou nas atitudes cotidianas. Eles captam a nossa
vulnerabilidade e, se querem nos conquistar para algum artifício
ou interesse, eles tentam de alguma forma preencher essa
lacuna utilizando das suas táticas sedutoras que
comovem homens e mulheres. Porém, quando conseguem
o que querem, eles saem de cena sem deixar um mínimo
de culpa. Agora, visualizando o lado positivo das relações
interpessoais com os mesmos, geralmente eles são
pessoas amistosas, agradáveis, conseguem trazer alegria
única e singular para as pessoas; são inteligentes,
competentes, responsáveis, provocantes. Em suma,
eles passam a idéia de serem “perfeitos”,
mas, como puderam perceber, a convivência com essa
“perfeição-toda” pode ter seu
preço.
Outros Exemplos Sabe aquela pessoa que
você liga, liga, liga e ela não atende de jeito
algum o telefone. Mas, ela não atende o telefone
porque não viu a chamada, porque isso normal de acontecer.
Ela não atende porque, na verdade, ela curte, acha
graça, em ver seu desespero do outro lado da linha
e ainda zomba da sua cara na frente dos amigos nesse seu
momento de angústia? CUIDADO! Isso é um sinal.
Esse sujeito pode ser um perverso.
Sabe aquela pessoa que consegue provocar um alvoroço
sem motivo, todos ficam encantados com seu jeito de ser,
pra ela não existe tempo bom ou ruim, todos mencionam
o nome de tal pessoa com orgulho e encantamento? CUIDADO!
Isso é um sinal. Esse sujeito pode ser um perverso.
Sabe aquela pessoa maravilhosa que possui a astúcia
de preencher todas as suas necessidades com precisão,
porém entre quatro paredes adora uma violência
corporal gratuita, colocar um utensílio inusitado,
ver coisas asquerosas ou nada peculiares? CUIDADO! Isso
é um sinal. Esse sujeito pode ser um perverso.
Sabe aquela pessoa que adora correr riscos sem motivos,
ir para lugares no meio da semana no qual nem imaginamos
estar naquele momento, te liga em horários nada convencionais
só para dizer: Oi!, recita poesias do século
XVI na tentativa de sensibilizar seu coração?
CUIDADO! Isso é um sinal. Esse sujeito pode ser um
perverso.
Enfim, lá vai o meu primeiro texto entre tantos que
seguirão para o site O Binóculo. Espero ter
conseguido atrair à atenção do leitor
na tentativa de delimitar de alguma forma a conduta desses
sujeitos perversos, seres diferentes na forma de ver e perceber
o mundo. Não posso deixar de evidenciar e destacar
que, mesmo que esses sujeitos sejam diferentes na sua forma
de subjetivação, eles são tanto quanto
imperfeitos como nós que pertencemos à categoria
dos neuróticos pós-modernos. Assim sendo,
vamos aprender a respeitar e aceitar as diferenças
porque ninguém é perfeito, não é
mesmo? Até a próxima!
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Eduardo
Lacerda é psicólogo clínico,
pós-graduando em psicanálise pela PUC Minas,
interessado no estudo dos sintomas contemporâneos,
um curioso que busca entender as implicações
do inconsciente na vida singular dos indivíduos pós-modernos.
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