
31/07/08
UM OLHAR QUE SEDUZ
Quem nunca passou
pela experiência de ser seduzido ao passar na rua
ou estando em um evento fechado quando, de repente, por
um olhar que nos flerta. É muito curioso quando percebemos
alguém nos flertando, algo nos impulsiona quase que
instantaneamente na busca de retribuir tal ação,
como se quiséssemos descobrir, certificar, o por
que estamos sendo olhado e por quem. O olhar possui seus
mistérios, suas incógnitas e, por isso, ele
pode ser considerado sedutor. Quinet (2004) comenta que
o olhar funciona como uma “pulsão despertadora”
na medida em que ele produz alterações químico-fisiológicas
no corpo.
Quando pensamos no olhar, podemos nos posicionar tanto passiva
como ativamente em torno dessa projeção. Estar
exibicionista, se colocar na posição de ser
olhado, mesmo que involuntariamente, remete a idéia
de uma passividade, pois, nesse momento, somos objeto do
olhar sedutor do sujeito que vê. Agora, o sujeito
que promove a ação de olhar pode ser considerado
um sujeito ativo, ou seja, que lança sua visão
para fora de si em direção de um alvo determinado.
O sujeito que gosta de olhar, nos seduz porque alguma coisa
o comove e ele logo direciona o olhar na busca daquilo que
o chamou atenção, tanto para apreciar como
para repudiar. O voyeur, espectador, quer espiar e apreender
do objeto escolhido àquilo que possa lhe gerar satisfação,
seja ela boa ou não.
No entanto, quando nos colocamos na postura do voyeur, podemos
tentar mensurar o que ele procura no sujeito que foi eleito
como objeto exibicionista. O olhar se dirige a outra pessoa
na busca de fisgar algo naquele corpo, naquele ser, que
venha proporcionar admiração, identificação,
recriminação, censura ou mera curiosidade
de querer capturar algo no outro que não se tem (ou
tínhamos) e que gostaríamos de alguma maneira
de ter (ou resgatar).
Essa ação que apreende o nosso olhar no outro
e que possibilita de certa forma gerar uma satisfação
se chama, para a Psicanálise, de atração
escópia. Segundo os psicanalistas, sem o olhar do
outro, não existimos e a maneira como somos olhados
define um destino, uma significação. O olho
é o órgão de captura da realidade,
o olhar destaca-se como primeiro objeto de desejo e pode
ser concebido como o primeiro objeto transicional entre
o bebê e sua mãe. Tudo isso reforça
a importância das primeiras impressões visuais
na organização psíquica do ser falante
que, antes de ser capaz de falar, vê e integra as
impressões assimiladas na relação com
esse Outro materno. Segundo Queiroz (2005) em a “A
trama do olhar”: a mãe olha o bebê e
lhe atribui um discurso. Ela fala com e pela criança.
Assim, antes da criança adquirir o domínio
da linguagem, o Outro fala por ela, mas imprimindo no pequeno
ser a sua marca. De outra parte, o jovem falante segue o
olhar dos adultos para descobrir o que eles estão
falando. Portanto, não basta somente a palavra, o
signo verbal, o olhar também é significante
e imprime significações ao dito. Muitas vezes,
tal gesto é imperceptível aos adultos.
Percebe-se então que o olhar se dá desde a
tenra idade e é constitutivo do sujeito. Olhar, este,
de amor, que vem dar contorno ao corpo do sujeito infante,
provocando uma dialética entre o que é visível
e invisível já que o olhar é exterior
ao sujeito, quer dizer, advém primeiramente de outrem.
Esse ato de olhar e de permitir ser visto acarreta numa
divisão do sujeito onde a unidade do corpo passa
a ser considerada não-toda, incompleta, estruturando
o lugar da falta e, simultaneamente, do desejo. Essa incompletude
originária do olhar ocorre porque não se pode
conhecer completamente o Outro e nem saber qual lugar que
ele nos reserva ou qual lugar ocupamos no seu desejo. Devido
a tal fato divisor, dúbio e ilusório, o sujeito
torna-se dividido, barrado.
Pensando nessa oscilação do olhar provinda
da perda do contato visual materno que ocorre espontaneamente
em algum momento da vida do infante, a criança, dependendo
de como introjeta ou recebe tal experiência, acaba
se tornando um sujeito desejante, um ser de falta. Essa
falta, voltando a nossa questão, repercute em um
olhar não-todo, em suma, restrito, nebuloso, castrado.
Desta maneira, pode-se arriscar entender porque somos seduzidos
pelo olhar do outro em alguns momentos inesperados ou por
que às vezes procuramos seduzir o outro com nosso
olhar. Quem sabe não é uma forma de querer
completar-se? Quem sabe é uma tentativa de buscar
aquela satisfação de ser olhado e cuidado
pela mãe tão sedutora com seus trejeitos maternais?
Quem sabe não é uma forma de encontrar um
traço materno perdido nos vários semblantes
individuais que estão por aí? Enfim, perguntas,
perguntas e mais perguntas.
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Eduardo
Lacerda é psicólogo clínico,
pós-graduando em psicanálise pela PUC Minas,
interessado no estudo dos sintomas contemporâneos,
um curioso que busca entender as implicações
do inconsciente na vida singular dos indivíduos pós-modernos.
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