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O amor capitalista visa sempre o apaixonar-se, um apaixonar-se visando à novidade e a empolgação do início do encontro amoroso atrelado a uma bagagem que o mundo capitalista impõe de certa forma para que o ser amado escolhido possa ficar mais atrativo.

Foto: Getty Images

 



25/06/08
O amor capital

Sabe-se que na atualidade o amor romântico está bem aquém, talvez, além da realidade. Porém, ainda, muitas pessoas projetam na busca desse ideal amoroso já que os cinemas, teatros, óperas etc., ainda usam dessa fórmula para seduzir seus espectadores. O que se torna mais difícil de obter ou impossível acaba sendo a fórmula do sucesso do amanhã. Por isso, as salas de arte e cultura estão repletas de sonhadores na busca de um amor pleno, bom e para sempre. Ou seja, sublimam, sonham em ter aquela vida ditada pelos contos imaginários.

O amor real, por sua vez, é bem diferente dos contos de fadas onde um príncipe perfeito com a sua amada perfeita acaba vivendo, no final das contas, felizes para sempre. Diferente dos cinemas onde há geralmente um herói que salva a mocinha e acabam por fim também vivendo uma linda e única história de amor. No entanto, isso na realidade tem outra moldura, outra face, outro destino que pode sim levar a felicidade, mas dependerá de muito esforço e persistência dos envolvidos na busca do dito amor verdadeiro e eterno.

Seguindo uma releitura sintética sobre o amor dentro dos preceitos psicanalíticos, pode-se dizer que um sujeito in love acaba percebendo que o outro é tudo para ele e, conseqüentemente, esse tudo vangloriado parece abster um resto que não pode ser revelado. Esse outro tudo, que é enaltecido pelo sujeito in love, acaba gerando uma visão estética; ele acaba louvado pela sua perfeição, enobrecido por ser escolhido como perfeito. O sujeito in love se doa para esse outro escolhido na tentativa de dar aquele amor absoluto como ele próprio gostaria de ter recebido ou receber em algum momento ou fase da vida, mas não por este outro ter qualidades mais ou menos atraentes, mas por ser tudo, e esse tudo lhe é atribuído sob a forma de uma palavra vazia, porque tudo não abriga nada, pois falta na verdade tudo; quer designar esse lugar do outro onde meu desejo vem especialmente se fixar, mas esse lugar não é designável; nunca se sabe nada do outro; sobre ele minha linguagem vai ser incompleta na tentativa de nomeá-lo, sempre visará um sentido vazio, ou seja, um lugar sem significação onde o desejo desperta para tentar fazer um laço de captura desse outro que fascina ao meu olhar. Nos filmes, contos teatrais e histórias romantizadas percebe-se então este movimento, onde o amado é tudo para o outro e vice-versa, um lugar onde a imperfeição do outro não aparece, é descartada, por esse sentimento in love. Nessas artes onde evidenciam o amor pode-se comprovar o ditado popular: “o amor é cego”, quer dizer, a priori, claro! Pois, já repararam como os filmes, por exemplo, sempre terminam evidenciando o início do amor entre o mocinho e a mocinha? E depois o que acaba acontecendo com eles? Fica no imaginário de cada um! Será que se torna um caos como a grande maioria dos relacionamentos modernos? O que seria então um amor real?

O amor mundano é um amor materialista, capitalista, sempre a espera de algo mais do que o afeto. É um amor de peso onde as pessoas querem muito mais do que o sexo e a troca de carícias. Essa forma de amar é muitas vezes excludente, pois não basta só o afeto para estar amando. Um amor assim faz cobranças, cobra da parceria um trabalho, uma saúde sã, um corpo mais ou menos nos padrões estéticos impostos pela sociedade, uma sensibilidade no compromisso a dois, uma maturidade com a vida etc. Exigências, desejos, que visam o ter, a materialidade, potencialidades, qualidades: “a”, “b”, “c” (...), enfim, o abecedalho inteiro de preferência. Atrelando com Lacan, um aspecto do amor, a paixão, pode ser representada quando o ser amado fica no lugar do (A), grande Outro não barrado, ou seja, do outro que tem, que possui tudo; do outro supostamente completo. A desejada captura da “essência do outro” na verdade refere-se a uma busca de nós mesmos; uma procura não apenas de uma suposta unidade perdida, como também da força determinante, pulsional, que atravessa e constitui os indivíduos. Indivíduos constituídos como seres estranhos a eles mesmos. Talvez o ser apaixonado reproduza inconscientemente a alienação primordial ao Outro, numa tentativa de metabolizar ao estilo da compulsão a repetição traumática esta experiência infantil alienante/constitutiva. Um mergulho na própria imagem especular que visa à mãe e seu bebê.

Aliás, tira-se dessa análise que o amor capitalista visa sempre o apaixonar-se, um apaixonar-se visando à novidade e a empolgação do início do encontro amoroso atrelado a uma bagagem que o mundo capitalista impõe de certa forma para que o ser amado escolhido possa ficar mais atrativo. Quem não gostaria de se envolver com uma pessoa, seja homem ou mulher, rico(a), lindo(a) e educado(a)? O sujeito in love desconhece, a priori, como em todos os casos, o outro na sua essência e acaba o nomeando como perfeito para amar. Esse outro escolhido e idolatrado deve dar toda a segurança para o sujeito in love, segurança não só de fidelidade e amor eterno, mas de objetos que garanta a sobrevivência da paixão, como se isso fosse a certeza de ter feito a escolha certa; é como se no imaginário dessas pessoas os contos de fada tivessem tornado realidade, porém com um toque de modernidade. O apaixonar-se visa então um conjunto complexo, onde não basta só o afeto; é preciso ter um plus, um extra.

O lado negativo disso tudo é que o amor capitalista se fecha na paixão não dando espaço ao amor. Para Lacan citado por Olivia, “o amor é como aquilo que vem em suplência da relação sexual. Na impossibilidade da relação sexual ligada ao Real, há uma reversão simbólica permitindo ao sujeito a ilusão de que a relação sexual é possível. Na medida em que é momentânea, não consegue manter a certeza e, a partir disso, se dá outra reversão imaginária que se revela como amor”. Ou seja, o amor se constitui a partir da não completude da relação sexual. Homens e mulheres não se completam de forma plena, se completassem não haveria um grande número de separações e divórcios, principalmente hoje em dia. O amor capitalista quer o fogo da paixão, quer a cegueira, já o amor verdadeiro quer a tolerância, o respeito. Como seria pleno se o fogo não diminuísse e se o tampão não escorresse dos olhos com o tempo não é mesmo? Mas, isso, é inevitável!

O que pode ser uma solução, talvez, para elevar o amor capital para o amor verdadeiro, e transformar o amor verdadeiro em algo duradouro é a obtenção da consciência. É a consciência que nunca o outro irá realizar o desejo da pessoa in love de forma veemente e vice-versa. Procurar alguém para realizar os próprios desejos é uma ilusão, por isso, devem-se aceitar as diferenças toleráveis. Quem sabe, desta forma, não poderia ser verificado um deslocamento da paixão “completa” para o amor incompleto? E, da consciência desse amor incompleto que dita à diferença, a incompletude, quem sabe não poderia surgir casais mais unidos e felizes? Enfim, fica aqui a minha colaboração e um material para reflexão. Até a próxima!

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Eduardo Lacerda é psicólogo clínico, pós-graduando em psicanálise pela PUC Minas, interessado no estudo dos sintomas contemporâneos, um curioso que busca entender as implicações do inconsciente na vida singular dos indivíduos pós-modernos. Visite o blog: www.polemicacomsaber.blogspot.com Fale com ele: lacerda_eduardo@yahoo.com.br

   
 

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