
25/03/08
Da infância a adolescência: uma
reflexão psicanalítica
Freud, ao criar a Psicanálise, iniciou uma transformação
social cujo alcance é evidente. Em plena era Vitoriana,
não só trouxe a sexualidade à luz –
prenunciando, entre outras coisas, a revolução
sexual da era moderna – como também modificou
a posição das mulheres e crianças para
sempre. Ao incentivar seus pacientes adultos a falarem livremente,
utilizando da técnica chamada associação-livre,
descobriu-se que nessa verbalização dos sentimentos
os analisandos voltavam a importantes acontecimentos da
infância, geralmente ligados a aspectos de sua vida
sexual, e à relação com os pais. Desta
forma, a criança, antes relegada como alguma coisa
sem grande importância, tornou-se figura central no
drama adulto instigando a psicanálise saber mais
desse mundo pouco explorado.
Depois de reconstruir muitos
dos acontecimentos significativos da infância a partir
das análises de adultos, Freud voltou-se para as
próprias crianças, em busca de confirmação
e ampliação para seus achados. Hoje não
há dúvida quanto à força das
experiências iniciais da vida, em especial com os
pais e familiares mais próximos, para a estruturação
da personalidade. A criança percebe, deseja, sente,
necessita, sofre, procura entender e se relacionar. Os conflitos
são inevitáveis e universais, como demonstrou
Freud.
Nos primeiros anos de vida
de uma criança, os cuidadores têm grande inferência
na constituição do sujeito infante. Na relação
especular com estes, a criança cria o contorno do
seu corpo e passa ter autonomia sobre o mesmo, mas ainda
falta estruturar recursos simbólicos provenientes
de uma linguagem mais requintada para que elas possam expressar
suas dores, desejos, ansiedades etc. A criança assim
chora, mediante uma angústia na qual não sabe
nomear, os pais na sua dedução intuitiva tenta
de certa maneira corresponder àquela agonia, às
vezes acertando nas expectativas da criança e outras
vezes não. Nesse banho de mimos ou na precariedade
deles, a criança assim passa a estruturar sua personalidade
bem ou mal; conflitos, estes, estruturantes e inerentes
na formação do sujeito.
Mesmo com poucos recursos verbais,
as crianças desde muito cedo podem se beneficiar
através da técnica com brinquedos ou desenhos,
que ao ampliar seus recursos de personalidade, facilita
a retomada do desenvolvimento normal. Ao brincar ludicamente
a criança expõem suas fantasias, fala das
suas vivências mais íntimas no esteio familiar,
das suas relações com os próximos que
a cercam; revelam suas rivalidades e seus desejos mais íntimos.
Muitas vezes busca nessa possibilidade uma solução,
uma resposta, para lidar com sua “dor de existir”.
A psicanálise se apresenta
para crianças e adolescentes como uma forma eficaz.
Muitos dos resultados de tratamentos analíticos em
tal esfera encontram-se descritos nas mais variadas publicações
cientificas. Nestes trabalhos, acabam destacando as modificações
no desenvolvimento desses sujeitos, recolocando-os no curso
normal de seu crescimento; o enriquecimento e aproveitamento
de recursos pessoais até então indisponíveis,
latentes; a capacidade doar e ter prazer, especialmente
na adolescência onde o corpo eclode evidenciando uma
transmutação física e psicológica
onde as relações amorosas começam a
se tornar mais preponderante; questões estas inequívocas.
A adolescência é
um termo que vem do latim adolescer, que significa crescer
até a maturidade. A adolescência deve ser entendida
como uma continuidade e não apenas como uma fase
de transição. A adolescência, para alguns
autores, é a etapa da vida durante a qual o indivíduo
procura estabelecer sua identidade adulta, apoiando-se nas
primeiras relações objetais, ou seja, parentais
internalizadas dos elementos biofísicos em desenvolvimento
à sua disposição e que, por sua vez,
tendem à estabilidade da personalidade num plano
genital, o que só é possível quando
consegue o luto pela identidade infantil.
Os adolescentes, sem dúvida,
constituem um grupo de pacientes específico que exige
conhecimentos e técnicas adequados para saber lidar
com sua demanda, isso quando há. Muitas vezes a demanda
de tratamento surge através dos pais que não
sabem lidar com a busca de identidade pessoal, referência
grupal, ansiedades, inibições e sexualidade
dos filhos. Entre os problemas mais comuns nesta faixa etária
encontram-se os distúrbios de conduta, que podem
gerar um agir destrutivo, como o uso de entorpecentes, drogas,
por exemplo. Geralmente, o tratamento com adolescentes devem-se
manter o contato com os seus responsáveis, diferente
do adulto que já possui autonomia sobre seus atos.
Por fim, há que se ter
em mente que a adolescência é, por definição,
um período conturbado, em que os confrontos com os
pais, em busca da sua identidade separada, são necessários
e inevitáveis. Ainda assim, nem todos os problemas
de conduta, nem toda a turbulência, podem ser considerados
como algo “normal dessa fase”. Ao considerar
tais reações adolescentes como algo banalizado,
os pais ou cuidadores deixam de implicar no desenvolvimento
do jovem, esquivando de dar o apoio psicológico tão
necessário nesse período conflitivo. Manter
a possibilidade de diálogo com os adolescentes, ainda
que difícil em muitos momentos, é função
essencial dos adultos responsáveis que desejaram
num período anterior constituir uma família.
Isto exige muito não só do adolescente, mas
especialmente dos adultos, que também precisam aprender,
numa era tão frívola e individualista, a ser
maduros e pais para ouvir o jovem, com suas opiniões
questionadoras, muitas vezes incômodas.
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20/02/08
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2007
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Eduardo
Lacerda é psicólogo clínico,
pós-graduando em psicanálise pela PUC Minas,
interessado no estudo dos sintomas contemporâneos,
um curioso que busca entender as implicações
do inconsciente na vida singular dos indivíduos pós-modernos.
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