
20/02/08
Psicanálise, moda e mulher
A moda é uma forma da
mulher se encontrar a cada estação. Para Freud
a mulher é inacabada porque lhe falta o falo. Para
Lacan, é inacabada, pois não tem um significante
que a referencie. A moda para a mulher é uma saída
fantasiosa na busca pela estabilização da
sua identificação cambiante, já que
o Édipo não dá conta da castração
feminina na estruturação de um superego. A
mulher tenta, assim, elaborar esta falta de várias
formas, sendo uma delas pela moda.
Ao vestir uma nova pele, é
como se a mulher quisesse se encontrar nas modelagens escolhidas
para si. A cada fashion week surge uma fantasia
de gozo e a ilusão do encontro de ser completa,
amada e desejada. A variabilidade
da moda corresponderia a uma relativa frouxidão superegóica
onde a mulher estaria à procura de identificações
parciais por não ter um significante próprio,
segundo a psicanálise.
A teoria da sexualidade de
Freud, a mulher se encontra no lugar de buscas:
a mulher enigma, inenarrável, indefinível,
indescritível. Freud fala da mulher como sendo um
ser com identidade inacabada, superego fraco, zonas erógenas
mutantes e orgasmos oscilantes: vaginais e clitoridianos.
Mas ser mulher, parecer mulher, é alguma coisa no
nível do simbólico, sem representação
real. A mulher historicamente tem procurado vestir-se de
algo que lhe dê identidade sexual, social, concretize
fantasias, devaneios e sua titubeante feminilidade. Não
sei o que vestir equivale dizer Não sei
quem sou e nem onde estou. Ser homem é ter
um pênis, tê-lo como referencial, ser o representante
do falo; é como se isso fosse o ponto que o norteasse
oferecendo-lhe uma precisão maior nas suas escolhas
pela vida se comparado ao vale sombrio que a mulher está
inerentemente exposta.
Freud ao falar da relação
Edípica feminina argumenta que a menina ama a mãe,
mas deseja o pai só pra si. Assim é a mulher
no vestir feminino da moda, ela tenta chamar atenção
das outras mulheres e ao mesmo tempo dos homens, ambivalente
sedução. A moda passa ser, no entanto, um
investimento libidinoso. A mulher se veste para outras mulheres,
confundidas com a mãe, se veste para conquistar o
pai em outros homens. E finalmente, se veste para si mesma,
para seu gozo e prazer. Freud atribuiu à feminilidade
uma grande dose de narcisismo. A moda, portanto, pode ser
interpretada como a mãe a ser imitada, para que a
mulher se identifique e se sinta amada. O espelho social
é o substituto da mãe, a lei do pai.
Se histérica, a mulher
se fantasia, visto querer investir-se de algo que é
impossível ter; se sedutora despe-se com artifício
em busca da fantasia de seu primeiro prazer de completude;
se regredida, imita na esperança de uma constante
presença materna que a oriente; se obsessiva, repete
para amenizar a culpa que não pode elaborar; se melancólica
enluta-se colocando no corpo o modelo e a cor da sua perda
etc. São múltiplos e inesgotáveis os
caminhos que a mulher utiliza fazendo do seu vestir o mostruário
de seu desenvolvimento, de suas procuras e de suas emoções.
Finalmente, a mulher percorre
a moda em busca de algo que a referencie, que a nomeie de
certa maneira. A procura feminina através da moda
é para tê-la como aliada nas vivências,
nos seus rituais de passagem simbólicos, na sua estabilização,
na sua conquista de se alcançar e se encontrar enquanto
mulher, a mulher arte-final: castrada e desejante. A moda,
então, é como um vento passageiro: um jeito
de se encontrar e de se realizar; é uma promessa
lúdica, uma ilusão, na tentativa de descobrir
o enigmático fio mágico que faz o encontro
da mulher com sua feminilidade a cada temporada que dita
o que é melhor para se vestir.
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2007
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Eduardo
Lacerda é psicólogo clínico,
pós-graduando em psicanálise pela PUC Minas,
interessado no estudo dos sintomas contemporâneos,
um curioso que busca entender as implicações
do inconsciente na vida singular dos indivíduos pós-modernos.
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