
07/09/07
Momentos musicais
1997: ele
ainda ouvia o rádio com aquela gostosa expectativa:
“Será que é a próxima?”.
Quando os primeiros acordes da esperada canção
apontavam ao longe, o botão ia certeiro no REC e
o coração batia mais forte. Talvez aquele
momento demorasse a acontecer novamente. O rádio
era a lei. Sua programação era o que de melhor
estava sendo produzido e ponto final. As músicas
repetiam, é claro, por que eram boas demais, e mereciam
ser tocadas várias vezes ao dia. Gostava de gravar
fitas com seleções das melhores de determinado
artista ou banda, mas nunca era a mesma coisa. Quando sua
preferida da vez tocava na FM, a sensação
era completamente outra. Parecia que o tempo parava, que
as pessoas paravam para ouvir. Durante muito tempo o rádio
ditou seu gosto musical.
2001: ele
ainda economizava o dinheiro do lanche para um bem maior.
Aquele bouquet de flores para sua amada era outra vítima:
poderia esperar. No fim do mês, quando contava as
moedinhas, via que o esforço renderia um disco novinho
em folha a ser explorado, desvendado e esmiuçado
por longas noites a fio. Não havia maior alegria
no mundo. Num ritual sagrado ele ia até a loja, escolhia
com carinho sua mais nova aquisição e se esforçava
para dar a atenção devida a todas as faixas.
Gostava de procurar os detalhes de cada canção,
os nuances do vocal, as linhas de baixo. O encarte contido
no CD era um caso a parte: se não viesse com as letras
impressas, se sentia injustiçado como se houvesse
comprado um livro sem nenhuma palavra sequer escrita. A
primeira audição era sempre traiçoeira.
Algumas músicas memoráveis escondiam sua glória,
talvez pela timidez de estarem sendo apreciadas pela primeira
vez, e algumas não tão especiais se travestiam
de fantasias descartáveis que caiam logo nas próximas
audições. Aos poucos sua mente ia se acostumando
com aqueles sons. Os primeiros dias passavam e a ficha ia
caindo cada vez mais. Pensava que antes não vivia
uma vida plena por não conhecer aquelas músicas
que agora eram tão íntimas. Como alguém
não havia antes pensado em todas aquelas canções
e letras tão maravilhosas? Como era bela a arte de
escrever músicas, campo infinito de possibilidades.
2007: ele
ainda não fazia idéia de qual disco iria baixar.
Era só mais um em sua interminável pasta de
mp3 que crescia a cada dia, mas que nunca receberia a atenção
devida para ser totalmente apreciada. Afinal, eram tantos
lançamentos e tantas coisas que ele ainda não
conhecia! Sentia-se mal ao ouvir um disco novo por que não
conhecia suficientemente bem seus antecessores, e ao ouvir
um antigo achava que estava enferrujado e por fora do que
estava acontecendo. Tinha uma pilha de CDs gravados num
canto do seu quarto e não voltaria para ela tão
cedo. O pior de tudo era saber que no meio dessa tralha
havia tesouros que ele morreria sem descobrir. Seu mp3 tinha
mais de 200 músicas, mas ele tinha certeza de que
não ouviria isso tudo nem em um ano. Invejava seus
pais por terem vivido a época do glorioso vinil.
Ligou a TV, mas a MTV não passava mais clipes. Foi
à banca, mas sua revista preferida de música
não agüentou a concorrência e faliu. Entrou
no site de sua banda preferida, mas ela havia entrado em
“recesso por tempo indeterminado”. Decidiu,
então colocar seus ouvidos em recesso por tempo indeterminado.
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Daniel
Perugini é belo-horizontino e jornalista.
Apaixonado por música, cinema e literatura. Compõe
por diversão. Escreve aqui quinzenalmente as quintas
feiras. Fale com ele: nielbianconcini@hotmail.com
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