
18/06/07
Nós estamos descontroladas
Nós
somos todas iguais. Usamos o mesmo tom de loiro, corte de
cabelo com franjinha para a direita e o aspecto que só
a chapinha é capaz de proporcionar. As roupas que
vestimos possuem o mesmo tipo de estampado e parecem ter
sido compradas na mesma loja; são bastante decotadas
e extremamente curtas, apropriadas para o verão no
litoral. Mesmo que não seja o caso: já é
outono e estamos em uma região montanhosa.
Nós
conseguimos enquadrar busto e rostinho em uma só
fotografia, na construção de um perfil atraente
para qualquer mortal que possua sentidos obedientes aos
padrões contemporâneos.
Nossas
bochechas são bem rosadas e os lábios molhados.
Nos posicionamos como se estivéssemos em uma vitrine
para a livre escolha dos poucos homens solteiros do recinto.
Somos produtos de uma sociedade que nos fez acreditar que
seres do sexo masculino estão escassos no mercado.
E, nessa feira, vale tudo para chamar a atenção:
gargalhadas escandalosas, dancinhas ensaiadas, caras e bocas
como na novela das oito ao som das frenéticas batidas
eletrônicas.
Fazemos
um malabarismo absurdo para parecermos seguras. São
drinks e cigarros sem fim em busca de auto-afirmação.
Ostentamos bolsas, roupas e acessórios da moda como
troféus de desejos possíveis. Tudo que fazemos
soa artificial. Somos seres desesperados por uma transa,
um beijo na boca ou um pouco de atenção. Aceitamos
todo tipo suado, que chegue pegando pelo braço e
falando qualquer merda que leve logo ao que interessa: ter
um macho ao nosso lado, que amenize cobranças alheias
e internas. Não nos cansamos do velho discurso de
que os bons e bonitos já estão comprometidos
e nos submetemos aos que nos escolhem, sejam eles feios,
mal-educados, casados ou boiolas.
Enquanto
acreditamos na escassez do produto masculino e nos contentamos
com a lei do "o que vier é lucro", outras
poucas se deliciam do lado de fora de um mercado inexistente
com a presença de histórias, romances, sensações
e até mesmo homens que nunca faltaram em mundo algum,
pois acreditam que cada um vê o que quer. Barangas!
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Cristina Mereu
é formada em jornalismo pelo
Uni-BH, adora internet, cinema, fotografia, música
e literatura. E escreve mensalmente para a coluna Trejeitos.
E-mai: cristinamereu@gmail.com
Sobre a coluna Trejeitos
Cada qual do seu jeito, cada um com seu trejeito. O que
não muda é o amor à profissão
e a vontade de registrar em palavras o que não pode
ser esquecido: a capacidade de falar por aquele que cala,
a crítica, o bom jornalismo, a denúncia, os
vários ângulos, as diversas histórias,
o lirismo.
Nesta coluna, o leitor encontra
crônicas escritas sob a ótica de três
diferentes estilos. Os jornalistas Ariadne Lima, Cristina
Mereu e Guilherme Amorim escrevem sobre temas variados a
cada semana, partilhando com o público, cada um,
um jeito diferente de enxergar a vida.
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